14 novembro 2011

Instrução em Maçonaria - III


“Estou suficientemente instruído” é, estou certo disso, o que muitos pensam quando chega a altura de estarem em crer que é o momento de passar de grau ou de ocupar uma função. E quando assim pensam abrandam o estudo e a respectiva auto instrução.

É, eventualmente, mais recorrente o pensamento nos Mestres, porque acham que como já podem falar, usar da palavra para dizer coisas estão num patamar em que o conhecimento adicional é acessório e que logo deve passar para segundo o terceiro plano.

Provavelmente também terei pensado assim, nos idos de 1992 quando atingi o grau de Mestre Maçon e pensei que tinha chegado. Na verdade acabara de partir, de iniciar a grande viagem da Maçonaria, aquela que só termina no momento de passar ao Oriente Eterno.

Não percebi isso imediatamente. Demorei a perceber que nessa viagem é necessário reequacionar os fundamentos, reler o lido e voltar a ler novamente. Pensar nas origens, no que levou a que esta ou aquela forma de fazer aparecesse.

Questionar o que era feito, descartar opções, relembrar uma lição de um professor que quando lhe apresentei um método alternativo para resolver um problema, me disse: “ sim dessa maneira consegue reduzir o número de passos e tornar mais rápida a resolução, até chegar ao ponto em que tem que tomar uma decisão e verifica que não tem alternativas. Na verdade o seu método é a forma mais rápida de chegar à asneira. Mas gostei do esforço” .

Hoje em dia fico com a sensação que alguns dos meus pares, acham que lhes assiste a capacidade de modificar, “embelezar”, suprimir, substituir partes ou formas de desempenho ritual.

Acham apenas porque lhes parece, e acabam por ser como eu perante o meu professor, consegui um método que me fazia chegar mais rapidamente à asneira.

Estudar, eventualmente desconstruindo o que está à nossa frente, não quer necessariamente dizer que podemos construir novamente à nossa imagem e semelhança, deixando de fora umas peças e pondo outras em substituição ou acrescento.
Há que saber perceber as fontes e com essa percepção o reconstruir, primeiro tal qual estava, permite-nos o entendimento do porquê da concepção original.
Apenas e só esse conhecimento, resultante do nosso trabalho faz com que se aprenda o que outros antes nós fizeram e porque o fizeram.

Mais tarde poderemos eventualmente congeminar outras hipóteses, e tratar de validá-las. E se houver sucesso nesse processo, então juntar o que conseguimos criar ao conhecimento já existente é uma obrigação.

Uma boa forma de auto instrução é o conhecimento do ritual. Não o conhecimento maquinal do mesmo, sabendo-o de cor e salteado tipo recitação na escola, mas o conhecimento do que ele significa e pretende significar. O que nos diz, para quem está dirigido, como é que isso acontece.

Mas não chega! Há que vivenciar o ritual, executá-lo sentindo-o. E assim surgiu a ideia de uma nova forma de instrução transmitida.

Porque evidentemente que o conhecimento não pode ser uma coisa proprietária de alguns, apesar de haver quem assim pense e pretenda implementar a ditadura do conhecimento – só eu é que sei, não ensino a ninguém, e logo não podem passar sem mim – constituindo-se em homens providenciais.

E essa nova forma de instrução assenta no proporcionar a quem ainda não pode executar o ritual e assim vivencia-lo de forma mais plena. Assim foi criada a figura do “ Sombra” e que não é mais que pôr um aprendiz ou companheiro a mimetizar o que o Mestre de  Cerimónias  faz durante uma sessão.

A assim se conclui mais uma etapa na instrução em Maçonaria.


José Ruah

PS:  este pequeno texto sem nada de especial vai dedicado ao Rui Bandeira.

09 novembro 2011

A Maçonaria NÃO É uma sociedade secreta (II)

Emblema papal

No século XIX, o Papa Leão XII publica, em 1823, a bula "Onde Graviora" (texto em inglês aqui) que de novo condena Maçonaria como uma sociedade secreta, retomando os argumentos dos seus antecessores:

To be sure, even as the very voice of the public testifies, it has become known to Us that spreading far and wide and each day gaining strength are some societies, assemblies, meetings, gatherings, fellowships, or associations commonly called de` Liberi Muratori or Francs--Macons, or identified by whatever other designation according to the variety of idioms in which men of any religion and sect whatsoever, satisfied by a certain feigned appearance of natural honesty, are mutually united by a strict as well as impenetrable covenant according to the laws and statues established by them, and which at the same time they both secretly dedicate themselves to by a strict oath administered on the Sacred Bible, and which under the accumulation of severe penalties they are bound to conceal by an inviolable silence.
But since such is the nature of a crime, that it betrays its very self, and emits a cry as a herald of itself, on this account the societies or associations mentioned above have impressed upon the minds of the faithful a powerful suspicion to such an extent, that to enroll in these same fellowships is, before prudent and likewise approved men, absolutely the same as incurring the mark of depravity and perversion. For if they were not acting wickedly, they would never have such great hate for the light. Which voice has continually become more frequent, that in many regions the above mentioned societies have appeared for a long time to be outlawed by the secular authorities as being in adverse to the security of the realms and providentially banned.


O Papa que seguidamente volta ao assunto é Pio VIII, pela primeira vez na solene forma da Encíclica Traditi Humilitati, de 24/5/1829, que constitui o programa do seu pontificado. Encontrei o seu texto em inglês e, na parte que releva para o assunto em análise, lê-se no seu ponto 6:

When this corruption has been abolished, then eradicate those secret societies of factious men who, completely opposed to God and to princes, are wholly dedicated to bringing about the fall of the Church, the destruction of kingdoms, and disorder in the whole world. Having cast off the restraints of true religion, they prepare the way for shameful crimes. Indeed, because they concealed their societies, they aroused suspicion of their evil intent. Afterwards this evil intention broke forth, about to assail the sacred and the civil orders. Hence the supreme pontiffs, Our predecessors, Clement XII, Benedict XIV, Pius VII, Leo XII, repeatedly condemned with anathema that kind of secret society. Our predecessors condemned them in apostolic letters; We confirm those commands and order that they be observed exactly. In this matter We shall be diligent lest the Church and the state suffer harm from the machinations of such sects. With your help We strenuously take up the mission of destroying the strongholds which the putrid impiety of evil men sets up.

Nesta Encíclica, Pio VIII dispara em todas direções: as heréticas doutrinas que "atacam a fé católica", entre as quais os "sofistas ds nossa era", os que publicam a Bíblia nas línguas vernáculas (!) e, pior ainda, os que ousam comentá-la (de forma diferente da doutrina oficial, bem entendido), as sociedades secretas (não se referindo expressamente à Maçonaria, mas entendendo-se que a esta se refere através das referências aos documentos dos seus antecessores), repetindo o já usual argumento de que "porque esconderam as suas sociedades levantaram suspeitas sobre o seu maléfico intento". Mas, não sem razão, reconheça-se - tenha-se em conta que a intervenção política e revolucionária dos maçons já ocorria então, em vários países -, pela primeira vez concretiza-se: "Depois, este maléfico intento saiu à luz do dia, através do assalto às ordens sagradas e civis". A Maçonaria pagava o preço da sua intervenção!

Por sua vez, Pio IX, na sua encíclica Quanta Cura (texto em inglês aqui) repudia o entendimento dos que defendem que "apesar de as sociedades secretas serem condenadas (quer um voto de segredo seja ou ou não requerido nessas sociedades) e apesar de os que as frequentam e as favorecem serem punidos com o anátema, tal não tem validade nas regiões do mundo onde tais associações são toleradas pelo governo civil."

A secularização das sociedades era, afinal, a principal preocupação nesta encíclica.

Leão XIII foi Papa entre 1878 e 1903, encerrando o século XIX e a lista de condenações da Maçonaria como "sociedade secreta".

Logo no início do seu pontificado, em 1878, promulga a encíclica Inscrutabili Dei Consilio, longo documento em que lamenta o declínio do Poder Temporal da Igreja e do Papa, se pronuncia contra as legislações civis que permitem o divórcio e reafirma, de forma geral, as posições doutrinárias da Igreja Católica. Sem se referir expressamente à Maçonaria ou fazer qualquer referência a "sociedades secretas", acolhe e reafirma as posições dos seus predecessores, como se pode verificar pela seguinte passagem:

"Our predecessors, and the last of all, Pius IX, of sacred memory, especially in the General Council of the Vatican, have not neglected, so often as there was need, to condemn wide-spreading errors and to smite them with the apostolic condemnation. This they did, keeping before their eyes the words of St. Paul: "Beware lest any man cheat you by philosophy and vain deceit, according to the tradition of men, according to the elements of the world and not according to Christ." All such censures, We, following in the steps of Our predecessors, do confirm and renew from this apostolic seat of truth (...)".

Mas as suas mais vigorosas condenações da Maçonaria ocorreram numa ainda mais longa encíclica, a Humanum Genus, de 20 de abril de 1884, talvez a mais conhecida e citada encíclica sobre o tema, e ainda, oito anos depois, em 8 de dezembro de 1892, na encíclica Custodi de quella fede. Foram encíclicas expressamente dedicadas, em exclusivo, à Maçonaria, expondo o entendimento que dela então havia no Vaticano e expondo as razões da condenação. Doutrinariamente, são, sem dúvida, os mais importantes documentos de condenação da Maçonaria pela Igreja Católica e merecem uma análise em texto ou textos apenas a si dedicados. Procurarei fazê-la, ou começá-la, no próximo texto desta série.

Rui Bandeira

07 novembro 2011

Instrução em Maçonaria - II





Ao longo destes anos tenho vindo a constatar que em muitas Lojas há muita dificuldade em debater temas, em comentar pranchas, em usar da palavra.

Amiúde essa dificuldade advém de simples desconhecimento do Modus Faciendi, noutras de uma falsa noção que o uso da palavra se esgota no Venerável e que em condição alguma se deve discordar do seu discurso quase proverbial ou tampouco porque simplesmente não há tema.

A instrução começa nestes casos num patamar completamente diferente daquele que é normalmente considerado como o ponto de instrução. Na verdade muitos não se apercebem que é impossível um 2º Vigilante dar instrução, ou melhor que o resultado desse trabalho é quase inconsequente, quando a própria Loja é disfuncional. De que serve estar a dizer como se faz se depois os destinatários dessa informação constatam que não é nada daquilo que ocorre.

Mas centremo-nos apenas nos casos em que a dificuldade é o desconhecimento da forma. Nestes casos os membros integrantes da Loja não usam da palavra, porque não sabem como fazer, não que não saibam falar, não que não peçam e usem da palavra, mas apenas porque quando há um assunto há a dificuldade de falar sobre ele, a inibição de expor ideias, os problemas de emitir opinião, o medo horrífico de discordar.

Nas minhas inúmeras visitas fui podendo constatar isto e comparar com a Loja Mestre Affonso Domingues onde todos os Irmãos emitiam a respectiva opinião, não necessariamente concordante com a anterior , e no fim do debate era sempre possível encontrar plataformas, e sobretudo guardar e interiorizar ideias novas. Como creio que a minha Loja não é melhor que as demais, é tão só distinta isso sim, fui tentar perceber as diferenças. Experimentei apertar com algumas intervenções mais "fortes" na Affonso Domingues e no fim da sessão o resultado era o esperado, ou seja debate aberto franco, sem constrangimentos, sem problemas de que este Irmão é mais antigo ou sabe mais.

Finalmente percebi a razão. Estava, e sempre esteve, ali mesmo à minha frente. Era uma Loja maçónica, onde se valorizavam os valores da maçonaria evidentemente, mas também os valores das pessoas, mas sobretudo se valorizavam as ideias ainda mais que as pessoas que as emitiam. Era pois uma Loja Maçónica.

Assente neste pressuposto pude então começar a combater o desconhecimento. Bastava para tal mostrar que seria possível em sessão, debater ideias, sim tão somente isto. Mostrar que é possível discordar sem ser contra.

Mas chegar a uma Loja e dizer isto, pode ser interessante mas não resolve o problema. Era fundamental encontrar a forma de comunicar. E essa apareceu nos tais 45 minutos de que falei no texto anterior. E era simples, tão simples e singela que tinha que ter estado à minha frente longo tempo e eu não a percebi.

Propus o seguinte método: Intervindo como moderador, embora o poder de direcção dos trabalhos permanecesse na mão do Venerável da Loja, e logo a assumir a responsabilidade do que fosse dito pedi que a cada ideia que eu lançasse um Irmão tomasse a palavra para falar sobre o tema e que imediatamente outro o seguisse para contrapor ou acrescentar. Informando que se fosse para repetir eu cortaria a palavra. Tempo máximo por intervenção 2 minutos. Depois disso eu sumarizaria e lançava o debate sobre aquele tema para mais umas 2 ou 3 intervenções.

Repeti isto para 5 ou 6 temas diferentes e a cada vez o nível de intervenções foi melhorando. Aproveitando a cada um dos temas para dar algumas pistas sobre a gestão de uma Loja Maçónica.

No fim e pela análise dos comentários e do que os presentes disseram, percebi que o modelo tinha potencial. Voltei a experimentá-lo noutras lojas e o resultado foi similar.

Não tenho qualquer dúvida que o que fui fazer a estas Lojas foi uma sessão de instrução. O meu público alvo não eram os aprendizes, nem sequer os companheiros, mas sim os Mestres. Instruir quem tem que instruir.

Quero no entanto deixar aqui presente que não basta ler o que escrevi acima para se porem já a experimentar nas respectivas Lojas. O efeito de ser moderado por alguém de fora é fundamental para a primeira vez ( se isto fosse uma coisa americana teria que ter o seguinte aviso: Não tente sozinho em casa, peça sempre a ajuda de um profissional).

E por aqui ficamos por hoje.

José Ruah

03 novembro 2011

A pequena idade do gelo



A segunda metade do primeiro milénio da nossa era foi uma época de crescente prosperidade, que culminou no período entre os século XI e XIII. No seu apogeu, a vimos surgir na Europa as primeiras universidades, as primeiras cruzadas e a Magna Carta. Contudo, logo no século XIV a peste negra devassa a Europa, e durante cerca de quatro séculos viveu-se um período mais difícil. Sabemos o que se passou depois: entre 1775 e 1848 surge a "Idade das Revoluções", que alteraram o paradigma de governação, dando as monarquias absolutistas lugar às repúblicas e estados constitucionais. Era o tempo do Iluminismo, o século das Luzes, que iniciou um ciclo de permanentes e aceleradas transformações que não se fechou ainda.

Na figura acima podemos ver um gráfico estimado das temperaturas médias no hemisfério Norte no último milénio. É clara a diminuição de temperatura que se verificou especialmente entre 1500 e 1700. A figura não tem escala, mas estamos a falar de uma diferença da temperatura média, entre o máximo verificado por volta do ano 1300 e o mínimo por volta do ano 1600, de cerca de um grau Celsius. Muito pouco, dir-se-á.  Todavia, esse pouco foi o suficiente para a Gronelândia, povoada pelos Viquingues por volta do século XIV, viesse a ser praticamente abandonada trezentos anos depois, e o rio Tamisa gelasse no inverno durante o período mais frio, o que não sucedia antes nem sucede agora. Também causou, como se poderia esperar, visíveis e apreciáveis revezes nas colheitas agrícolas.

Não se sabe quais as causas desta diminuição de temperatura, mas supõe-se que possa ter sido causada por  uma diminuição da atividade solar que igualmente se constatou nesse período. Também não se pode demonstrar que a diminuição da temperatura esteve na origem de um aumento da fome e da pobreza, e por isso de maior instabilidade social, que veio a culminar nas revoluções dos séculos XVIII e XIX. Mas é credível que assim tenha sucedido.

Temos uma enorme tendência para ver o mundo pelos olhos da nossa própria espécie. Todavia, se virmos o que sucede a uma cultura de bactérias quando é objeto de aumentos ou diminuições de temperatura, constataremos que os efeitos são bastante semelhantes aos efeitos das mesmas alterações sobre os humanos. Nesta placa de Petri que habitamos, basta uma pequena flutuação de temperatura para causar aumentos ou diminuições da população, períodos de carestia ou prosperidade, ou alternância entre estabilidade política e revoluções.

Paulo M.

http://en.wikipedia.org/wiki/Little_Ice_Age
http://en.wikipedia.org/wiki/Causes_of_the_French_Revolution
http://stepwilh.blogspot.com/2010/07/hockey-stick-graph.html

02 novembro 2011

A Maçonaria NÃO É uma sociedade secreta (I)


Em relação à Maçonaria criou-se um mito, frequentemente repetido, em tom acusatório, pelos detratores da maçonaria: a Maçonaria seria uma "sociedade secreta" e, assim sendo, boa coisa não é (pois, se o fosse, não necessitaria de ser secreta).

Não é verdade. A Maçonaria não é uma sociedade secreta, antes é uma associação que existe e funciona ao abrigo das leis civis e no integral respeito do que estas postulam. Qualquer Obediência maçónica existe enquanto pessoa jurídica coletiva, normalmente organizada sob a forma de associação, devidamente registada no Registo Nacional de Pessoas Coletivas em Portugal e nos serviços equivalentes nos outros países, constituída por escritura notarial, arquivada onde a lei do país em que se insere determina, fiscalmente manifestada e, a exemplo das demais pessoas coletivas, cumprindo as obrigações fiscais que a Lei determina, com os seus órgãos sociais designados pela forma que a Lei e os seus Estatutos determinam e publicitados pela forma que a Lei determina. Enfim, a Maçonaria Regular, que tem por princípio fundamental o respeito da legalidade vigente, existe e funciona ao abrigo e cumprindo as leis em vigor nos Estados onde funciona, como qualquer outra associação nesse Estado existente.

No entanto, e como já o Ministro da Propaganda nazi, Joseph Goebbels, descaradamente referia, uma mentira mil vezes repetida passa a ser entendida por muitos como verdade.

E a mentira de que a Maçonaria é uma sociedade secreta tem vindo a ser muitos milhares de vezes repetida, ao longo de mais de três séculos. O poder e persistência desta mentira são proporcionais às forças de quem a lançou e repetidamente a sustentou ao longo do tempo: a alta hierarquia da Igreja Católica.

Que a alta hierarquia da Igreja Católica não tenha visto com bons olhos a Maçonaria, é compreensível: tratava-se de uma agremiação nascida num país que, em termos religiosos, se rebelara contra a Igreja de Roma - a Inglaterra; e a Maçonaria consumava um princípio que então (muito antes de o ecumenismo ser um conceito aceite pela Igreja Romana) lhe era insuportável: a junção, a colaboração fraterna, entre crentes de diferentes religiões. Com efeito, a Maçonaria postula um princípio fundamental, inerente à hoje aceite e comum, na sociedade ocidental, noção da liberdade religiosa, que é o de que a crença religiosa de cada um só a ele diz respeito e que homens livres e de bons costumes podem auxiliar-se mutuamente na sua respetiva evolução ética e espiritual, independentemente das respetivas crenças religiosas. Quaisquer diferenças nestas são de somenos em face da essencial semelhança do que é ser Homem, da Ética que a todos deve unir, do comum anseio de melhoria, de aperfeiçoamento pessoal, moral e espiritual. Compreende-se que esta noção não seja bem vista para uma conceção religiosa que entende que o caminho para a Salvação é o da sua religião e não o de qualquer outra (e essa era a postura da alta hierarquia da Igreja Católica, pelo menos até ao Concílio Vaticano II).

Bastaram 21 anos, a contar da fundação de Premier Grand Lodge, em Londres, em 1717, para a alta hierarquia da Igreja Católica efetuar o primeiro ataque violento à maçonaria, utilizando o falso argumento de ser a Maçonaria uma "sociedade secreta". A primeira bula papal de condenação da Maçonaria foi subscrita por Clemente XII em 28 de abril de 1738, ficou conhecida pela designação de Bula In Eminenti e nela pode ler-se, designadamente (destaque meu):

Agora, chegou a Nossos ouvidos, e o tema geral deixou claro, que certas Sociedades, Companhias, Assembleias, Reuniões, Congregações ou Convenções chamadas popularmente de Liberi Muratori ou Franco-Maçons ou por outros nomes, de acordo com as várias línguas, estão se difundindo e crescendo diariamente em força; e que homens de quaisquer religiões ou seitas, satisfeitos com a aparência de probidade natural, estão reunidos, de acordo com seus estatutos e leis estabelecidas por eles, através de um rigoroso e inquebrantável vínculo que os obriga, tanto por um juramento sobre a Bíblia Sagrada quanto por uma variedade de severos castigos, a um inviolável silêncio sobre tudo o que eles fazem em segredo em conjunto.

A decisão anunciada na bula foi de proibição e condenação: decidimos fazer e decretar que estas mesmas Sociedades, Companhias, Assembleias, Reuniões, Congregações,ou Convenções de Liberi Muratori ou de Franco-Maçons, ou de qualquer outro nome que estas possam vir a possuir, estão condenadas e proibidas, e por Nossa presente Constituição, válida para todo o sempre, condenadas e proibidas.

Mas este foi apenas o primeiro ataque. Treze anos depois, Bento XIV emitiu, em 18 de maio de 1751, a Bula Provida Romanorum Pontificum, onde se pode ler:

Finalmente, entre as causas mais graves das supraditas proibições e condenações enunciadas na Constituição acima inserida, — a primeira é: que nas tais sociedades e assembleias secretas, estão filiados indistintamente homens de todos os credos; daí ser evidente a resultante de um grande perigo para a pureza da religião católica;
— a segunda é: a obrigação estrita do segredo indevassável, pelo qual se oculta tudo que se passa nas assembleias secretas, às quais com razão se pode aplicar o provérbio (do qual se serviu Caecilius Natalis, em causa de caráter diverso, contra Minúcius Félix): “As coisas honestas gozam da publicidade; as criminosas, do segredo”;

— a terceira é: o juramento pelo qual se comprometem a guardar inviolável segredo, como se fosse permitido a qualquer um apoiar-se numa promessa ou juramento com o fito de furtar-se a prestar declarações ao legítimo poder, que investiga se em tais assembleias secretas não se maquina algo contra o Estado, contra a Religião e contra as Leis;

Neste documento, o pretexto da "sociedade secreta" continua a ser invocado, mas desvendam-se as verdadeiras razões da decisão: o facto de, na Maçonaria estarem filiados indistintamente homens de todos os credos e tal "constituir um grande perigo para a pureza da religião católica" e o receio de que, nas reuniões maçónicas se maquine "algo contra o Estado, contra a Religião e contra as Leis".

O século XVIII não findou sem que, precisamente em 1800, mais um Papa, Pio VII, publicasse mais uma bula condenatória da maçonaria, a Bula Ecelesian a Jesus Christo, de que não consegui encontrar publicação do seu texto. O século XIX (em que, recorde-se, ocorreu a emergência da Maçonaria Irregular e da intervenção desta orientação na Coisa Pública, inclusivamente com ações revolucionárias) foi também fértil em documentos papais de condenação da Maçonaria, em que a classificação da mesma como sociedade secreta foi recorrente.

Mas isso é já matéria para o próximo texto.

Rui Bandeira

01 novembro 2011

Instrução em Maçonaria - I




Uma das obrigações, ou seja mais que funções, de um Mestre Maçon é prover à instrução. Surge então aqui a questão sobre se todos os Mestres têm que ser instrutores e ainda uma segunda sobre quem são os destinatários dessa instrução.

Numa análise simplista, e que convém a muito boa gente, a instrução estaria acometida ao 2º Vigilante e teria apenas como destinatários os aprendizes sob a sua alçada.

Numa análise mais lata, haverá quem inclui aqui o 1º Vigilante e a sua coluna de companheiros.

Raramente, mas muito raramente se fala e mais raramente ainda se pratica instrução para Mestres, aquilo que no nosso mundo se chama Formação de Formadores, e que aqui por analogia se deveria chamar Instrução de Instrutores.

Fala-se há muito tempo do inicio de uma academia maçónica, .... eu já me apresentei como voluntário para ensinar.... mas ainda não tive resposta.

Na verdade nunca na minha vida dei uma aula, fui professor, nem sequer eduquei filhos, porque não os tenho, mas acho que aprendi bastante sobre maçonaria, e que é meu dever partilhar o que sei.

Decidi portanto criar eu próprio a minha escola. Não uma escola com bancos e quadro e giz e essas coisas  ( hoje é mais quadro electrónico, computador, projector....  mas desculpem eu ainda sou muito antigo ainda uso papel e caneta para muitas coisas )  mas escola no sentido de criar coisas novas e tentar que outros venham a seguir o que estou a por em prática.

Pode parecer imodesto pretender ser o percursor de uma forma de passagem de conhecimento, mas na verdade e a meu conhecimento aqui na GLLP até agora ninguém fez nada parecido com o que tenho vindo a fazer nos últimos meses.

Ao longo dos tempos fui ficando absolutamente convencido que a forma tradicional de instrução, embora de grande utilidade, era escassa e logo seria fundamental criar algo em complemento. Não foi de um dia para o outro que cheguei lá. 

Mas aqui há uns meses um Irmão abordou-me e disse :

- Oh Ruah, achas que podias ir lá à minha Loja e falar sobre.....
respondi:
- Claro que sim, se achas que é necessário eu faço isso com o maior prazer.

Mal acabara de aceitar o desafio e já estava com um problema enorme. Como fazer o que me era pedido, para que fosse bem aceite pela Loja a que se destinava e que no fim produzisse efeitos.

Tive a sorte de que a visita foi adiada, e que na tarde do dia  em que finalmente ocorreu ter tido que ficar, no meu âmbito profissional, à espera fechado numa sala de reuniões durante 45 minutos. Nesse tempo escrevi 4 paginas A4 ( a caneta ) com o alinhamento do que iria ser a sessão dessa noite.

O resultado foi muito acima do que esperava.

Interrompo aqui a minha prosa, porque na Maçonaria há sempre um "peixe maior e mais experiente" que nós e por isso aprendi com o Rui Bandeira que se fraccionarmos os textos, temos para mais semanas e os leitores chateiam-se menos.

Até para a semana

José Ruah

26 outubro 2011

Maçonaria e Poder (XV)

Estandarte da GLLP/GLRP

Se a GLLP/GLRP não intervém politicamente, então não deve ter no seu seio políticos. Se os tem, não deveria ter - ou então pratica de facto aquilo que nega de palavra. Esta é uma objeção que já ouvi. E que é aplicável aos políticos, como aos magistrados, como aos gestores públicos, por exemplo.

Não tem razão de ser esta objeção. Mas não basta afirmá-lo, há que mostrar porquê.

Elenquemos alguns factos, formulemos algumas hipóteses (não propriamente impossíveis, mas de efetivação muito improvável, refira-se já, para que não haja dúvidas ou suspeitas infundadas) e coloquemos algumas questões.

O JPSetúbal é um empresário com muitos anos de experiência e lançou e manteve vários negócios e empresas. Ainda hoje, semirreformado, gere uma pequena empresa com relevância e repercussão pública no concelho onde reside. Suponhamos que decidia candidatar-se à autarquia onde reside e onde é conhecido e era eleito. Passava automaticamente à condição de político. Deveria, por tal facto, ser excluído da GLLP/GLRP?

O Rui Bandeira exerce há mais de três décadas, a profissão de advogado. É, pois, um jurista e advogado experiente. Suponhamos que decidia, e havia vaga para tal, dedicar os últimos anos da sua vida útil profissional colocando a sua experiência ao serviço da comunidade, no exercício da Magistratura. Seria esta opção razão bastante para dever deixar de integrar a GLLP/GLRP?

O José Ruah é um gestor experiente na área da saúde, tendo aprendido e executado como fazer o mesmo com menos meios e como obter mais com os meios disponíveis. A sua específica competência e capacidade, adquirida e apurada na gestão privada, fá-lo um alvo possível de recrutamento para gestor de unidade pública dessa área. Se isso sucedesse, deveria ele abandonar a GLLP/GLRP?

Parece evidente que, em qualquer dos três casos hipotizados a resposta deve ser negativa. Estes três maçons de muitos anos sempre trabalharam no setor privado e não seria o facto de, nas suas áreas, enveredarem pela causa pública que os faria deixar de serem quem são, os levaria a agir diferentemente da forma como atuaram toda a sua vida.

O político, o magistrado, o gestor público, eram-no, não por serem maçons, mas em resultado, na sequência do seu percurso de vida ao longo de dezenas de anos. E não se vê por que a sua coerência, em termos éticos, cultivada ao longo de dezenas de anos deveria ser afetada pela sua passagem do setor privado para a vida pública. Não é verdadeiro o ditado de que "a ocasião faz o ladrão" - a não ser que se considere que todos são ladrões, só o que faltará a muitos são as ocasiões, o que seria uma paupérrima conceção da Humanidade.

Quem resista à tentação do slogan, da demagogia, do sound bite, nas análises que faz, facilmente conclui que não é o facto de haver políticos, magistrados, gestores públicos numa Obediência Maçónica que é certo ou errado por si só, que gera condenável influência política, ou o que quer que seja.

O que importa não é quem está, o que faz profissionalmente quem integra a Obediência. O que importa é o objetivo com que cada um deles ali está. Se e quando está para se aperfeiçoar, para ser melhor e com isso agir melhor na sua vida profissional, tudo bem, é motivo de satisfação para a Obediência, é bom para ele, é melhor para a Sociedade. Se o objetivo é criar ou obter "sinergias" para alavancar as suas possibilidades na sua vida profissional ou social, para integrar projetos de influência, então tudo mal: o próprio terá a ilusão do Poder, porventura ascendendo mais alto, não por si, mas à sombra de algo exterior a si e, mais tarde ou mais cedo, à falta de valor próprio, cairá - e de quanto mais alto cair, mais doloroso será o trambolhão; a Obediência trai-se a si própria e, a longo prazo, como historicamente se viu, pagará, com juros, o preço de se imiscuir onde não deve; a Sociedade perde por ver a sua natural evolução ser perturbada e torcida.

É tudo uma questão de postura, de objetivo, de respeito pela natureza das instituições, afinal. Não é porque um cão mordeu que se devem abater todos os cães. O que se deve é ensinar os canídeos a refrearem os seus instintos.

A GLLP/GLRP, como todas as Obediências Regulares, não exclui políticos, magistrados, gestores públicos, etc., das suas fileiras. Têm o mesmo direito à melhoria, ao aperfeiçoamento, segundo o método maçónico, que todos os outros homens livres e de bons costumes e seria írrito discriminá-los.

Mas o que importa ter sempre presente - contra demagogos e mal-intencionados, mas também contra tentações, por muito vestidas de boas intenções que se apresentem - é que há uma caraterística fundamental na Maçonaria Regular: nela podem entrar políticos, mas não a Política; destina-se a formar todos os seus membros, incluindo os que sejam políticos, mas não forma políticas.

Entendendo-se isto, entende-se como deve ser natural e em que limites é saudável a interação entre a Maçonaria e o Poder!

Rui Bandeira

19 outubro 2011

Maçonaria e Poder (XIV)


Audiência do Presidente da República
a uma delegação da GLLP/GLRP

Este já longo conjunto de textos teve como objetivo mostrar, serenamente e com o máximo de objetividade que me foi possível, como, ao longo do tempo e em diversas latitudes, se processou o relacionamento entre o Poder e a Maçonaria. Espero que os de boa-fé (os outros não me interessam - ladrarão sempre à passagem da caravana...) tenham ficado com um pouco mais de informação que lhes permita enquadrar e ajuizar sempre que um qualquer político demagogo mande umas "bocas" sobre a a "atividade escondida" da Maçonaria ou um periódico sensacionalista decida vender algum papel ou conquistar uns pontos de audiência "desvendando" que A, B ou C é maçom, que D, E ou F se reúnem no local X, Y ou Z ou que G, H ou I pertencem a partidos diferentes e afinal são "Irmãos" da mesma Loja.

Desmontar a demagogia, desdenhar do sensacionalismo, não significa, não passa, não pode passar (sob pena de se trair os princípios que os maçons defendem) pela mentira ou por esconder o que quer que seja. Pode passar, e tem passado, por não se conceder importância às atoardas, demagogias ou simples exposição de verdades, meias-verdades e especulações inverídicas, com objetivos sensacionalistas, não se lhe dando a dignidade de uma resposta, primando pelo silêncio mais ensurdecedor possível. Tem sido esta a postura da Maçonaria, para o bem e para o mal, quase sempre prudentemente bem, aqui e acolá deixando medrar o mal da intriga, da insinuação, da descarada mentira demagógica.

Na minha opinião. a resposta adequada da Maçonaria deve passar também pelo esclarecimento, pela confiança na inteligência das pessoas, pela informação objetiva que permita aos de boa-fé formularem os seus juízos, sem ser apenas com base nas atoardas e nas tiradas demagógicas.

E isso passa por assumir a História da Maçonaria e o seu relacionamento com o Poder, no seu melhor e no seu pior; nos seus bons, como nos seus maus momentos. Foi o que procurei fazer ao longo desta série de textos.

A melhor forma de desmontar a demagogia e de relativizar sensacionalismos é, afinal, mostrar o que a Maçonaria é: uma instituição mais que tricentenária, com propósitos meritórios, com presença tendencialmente global, mas organizada em estruturas nacionais e núcleos independentes locais, que sociologicamente tem mais elementos pertencentes a estratos privilegiados ou relativamente confortáveis da sociedade do que dos estratos que vivem com dificuldades (só depois de se garantir adequadamente a subsistência e um mínimo de conforto, para si e para os seus, é que o homem está verdadeiramente disponível para algo para tantos tão abstrato como preocupar-se com o seu aperfeiçoamento moral e espiritual...) e que, como todas as instituições que atingem algum relevo social, obviamente que interage e influencia os atores do Poder e é influenciada por estes.

As recorrentes referências à pretensa influência escondida da Maçonaria sobre o Poder só podem ser por todos relativizadas se e quando se compreender que a Maçonaria tem precisamente (nem mais, nem menos) a mesma influência sobre o Poder (e que, correlativamente, é por ele influenciada) que têm as outras instituições de relevo na Sociedade.

O múnus de uma Igreja (de qualquer religião) é de natureza espiritual. Mas, assumindo as Igrejas, particularmente a Igreja hegemónica numa qualquer região, indiscutível relevo na sociedade em que se inserem, só por cândida ingenuidade se pode não se dar conta de que as Igrejas (ou, pelo menos, a Igreja hegemónica) exercem influência (que, por alheia ao seu objetivo principal, de natureza espiritual, se pode classificar de "escondida") sobre o Poder.

A razão de ser das Universidades é a investigação nos mais variados campos do Saber humano e a transmissão desse Saber. Mas alguém duvida que as Universidades, os professores universitários, influenciam decisivamente o Poder (seja em estudos, seja em conversas de gabinete, seja fornecendo pessoal político)? No entanto, o campo de atuação das Universidades é o Saber, não o Poder, pelo que as influências daquelas neste campo podem ser classificadas de "escondidas" ou "ínvias" ou "indevidas".

As instituições de solidariedade social são (e em tempos difíceis ainda mais) indispensáveis no apoio aos menos afortunados. Os Estados não conseguem, não podem (cada vez podem menos...) tudo fazer e, muitas vezes, a diferença entre o caos social e um mínimo de dignidade proporcionado a quem dificilmente sobrevive está na meritória ação das instituições de solidariedade social. Mas alguém que não seja incuravelmente ingénuo tem dúvidas que esse papel indispensável traz consigo alguma força de influência sobre os Estado e os seus atores?

A economia de um país depende de forma não negligenciável dos seus empreendedores, dos seus empresários, das suas estruturas financeiras, e do emprego e do desenvolvimento que possibilitam. Alguém duvida do poder de influência junto dos decisores políticos dos capitães de indústria e dos financeiros e das organizações em que se juntam?

Sem trabalhadores e o seu labor, não há produção, não há riqueza, não há sociedade viável. Alguém duvida que os sindicatos e as centrais sindicais influenciam o Poder? Claro que há épocas e épocas. Períodos em que os ventos sopram mais a favor dos sindicatos e períodos de refluxo. A vida é feita de ciclos e os ciclos a todos atingem.

E poderia continuar a dar exemplos de estruturas que influenciam o Poder, desde o desporto, à escola, aos artistas, às classes profissionais, à comunicação social, e por aí fora.

O Poder - felizmente ! - há muito que deixou de ser absoluto. Mas que ninguém seja ingénuo: mesmo quando o Poder era absoluto não deixava de ser influenciado por quem tinha capacidade e meios para exercer essa influência... Por maioria de razão, nas sociedades modernas, o Poder é exercido em resultado de um complexo sistema de influências cruzadas, opostas, conflituantes. Entre o projeto do governante, a sua convicção do que deve ser feito, e o que efetivamente é concretizado vai a distância do sonho à realidade, concretizando-se o que é possível, em cada momento, em face dos interesses - e respetiva força naquela ocasião - que, normalmente de uma forma surda, se digladiam junto do Poder.

A Maçonaria é uma instituição como as outras. E, como todas as outras, dá o seu contributo para a complexa teia social que influencia o exercício do Poder nas cada vez mais complexas sociedades modernas. Negá-lo seria estúpido. Afirmá-lo não tem nada de mais.

Esgrimir com a influência da Maçonaria (insinuando que nenhuma esta componente social deveria ter) é uma forma de mandar poeira para os olhos dos ingénuos. Todas as instituições sociais influenciam o Poder. E todas as influências são exercidas, por vezes publicamente e muitas mais vezes de forma reservada, resguardada, no silêncio e no conforto dos gabinetes - que ninguém se iluda!

A Maçonaria tem exatamente a quota-pare de influência que deve ter, que naturalmente cada instituição minimamente relevante na Sociedade tem. Nem mais, nem menos. Que influência? Em que sentido? Os valores que a Maçonaria defende, as suas divisas, são conhecidos: Liberdade, Igualdade, Fraternidade, Sabedoria, Força, Beleza. O nosso "negócio" é do campo da ética. Quem dera que todas as influências sobre o Poder se situassem neste campo...

Rui Bandeira

18 outubro 2011

Solidariedade na escassez



Não é novidade que os tempos que vivemos são duros, e que tempos mais duros se avizinham. Onde ontem se gastava displicentemente uma nota inteira, hoje despende-se parcimoniosamente apenas algumas moedas. Se a diminuição de rendimento disponível é uma contrariedade para uns, para outros é um verdadeiro problema - e para alguns, mesmo, um desastre. Hoje, mais do que nunca, é importante saber gerir, procurar alternativas, e estabelecer prioridades que salvaguardem o essencial.

Há que buscar formas mais eficientes de obter talvez não o mesmo, mas pelo menos algo que se lhe assemelhe. Não se pode ir jantar fora com uns amigos? Convide-se os amigos para a nossa casa. Não se consegue oferecer uma refeição? Ofereça-se um café e umas bolachas - ou então, que cada um traga qualquer coisinha, de preferência feita em casa... Não se consegue manter a conta do ginásio, da gasolina e da explicação do miúdo? Faça-se exercício na rua ou num parque, e salvaguarde-se o que é mais importante a longo prazo. Entre umas férias fora e um curso de valorização profissional, especialmente no contexto atual, mais vale deixar as férias para depois...

São tempos de se ser mais generoso, e de se dar não apenas aquilo que nos sobra, mas mesmo um pouco das comodidades a que nos fomos habituando. Não obstante, também na solidariedade se deve ser mais cuidadoso: dar, sim, mas de forma mais inteligente, mais direcionada, mais eficiente. É que as solicitações de auxílio, já antes inúmeras, cada vez aumentam mais, tornando ainda mais difícil escolher-se a quem ajudar - e saber bem aplicar a ajuda que se pretende prestar.

Com a escassez aumentam as dificuldades de sobrevivência, e as circunstâncias levam a que, tantas vezes, até os mais retos soçobrem ao peso da carência e se socorram de expedientes menos claros para chegar ao dia seguinte. Torna-se mais difícil distinguir o "ladrão" de supermercado que só queria dar de comer aos filhos que não comiam desde a véspera daquele que rouba um telemóvel ou uma roupa de marca... porventura para os vender e acudir, com a receita, às despesas da casa.

Por outro lado, multiplicam-se as mesinhas nos hipermercados e centros comerciais com a maior variedade de brindes a oferecer a quem apoie as mais diversas causas. Se algumas são geridas por voluntários, e 100% das receitas revertem para a causa anunciada, outras retiram uma parte - 10, 20 ou 30 por cento - para cobrir as despesas da campanha; noutros casos, recorre-se mesmo a empresas especializadas que, mediante uma parte da receita - que pode chegar a metade, dois terços ou mesmo mais - tratam de toda a logística, incluindo a publicitação do evento e a contratação do pessoal que faz os peditórios. Por fim, há quem venda um bem, anunciando oferecer uma pequena parte do preço a uma causa anunciada. Antes, quando se dava, sabia-se que se dava e quando; e quando se comprava, sabia-se ser uma compra. Hoje, a este respeito, o mundo está muito mais cinzento e menos "a preto e branco".

É conhecido o gesto de Warren Buffett - um dos homens mais ricos do mundo - quando se inteirou da forma como o dinheiro da Fundação Bill e Melinda Gates era gerido: passou a apoiar a Fundação, e deixou-lhe em testamento mais de 80% da sua fortuna. O dinheiro que metemos na mão de quem o pediu para si mesmo seria, talvez, mais bem gasto, menos desperdiçado e  mais eficazmente distribuído se fosse, antes, entregue a quem sabe geri-lo e o faz de facto em prol daqueles a quem se dedica. A moeda de dois euros pode servir para comprar uma sandes - ou quatro refeições num abrigo de crianças. Pelo preço de um pastel podemos providenciar meia dúzia de pães. Pelo custo de uma refeição de comida rápida podemos alimentar meia dúzia de pessoas numa "sopa dos pobres". E em vez de comprarmos um objeto (de que, ainda por cima, não precisamos) por 5 euros, dos quais se calhar apenas um ou dois euros, quando muito, reverterão para a causa que pretendemos apoiar, mais vale enviarmos os 5 euros diretamente para a instituição em causa.

E, já que estamos neste registo, atenção às instituições a quem fazemos doações. As que são sérias, precisam de dinheiro hoje, para a semana, daqui a um mês, ou daqui a um ano. Não nos pressionam no sentido de darmos "já". Por outro lado, as melhores testemunhas do bom funcionamento de uma instituição de apoio social são aqueles que nela se apoiam. Antes de dar, visite, pergunte, veja, fale com quem dá, com quem recebe, com quem gere. Depois de aferir a sua credibilidade, e a boa gestão que fazem do dinheiro que recebem, "apadrinhe" a instituição, e envie-lhe uma quantia fixa por mês. Melhor do que um donativo generoso mas pontual, é um compromisso de um apoio regular - mesmo que seja pouco, pelo menos é certo.

Depois de o fazer, já pode dizer, com verdade e tranquilidade, se lhe pedirem o seu donativo: "Já dei!"

Paulo M.

12 outubro 2011

Maçonaria e Poder (XIII)

Fernando Teixeira
Grão-Mestre Fundador da GLRP, hoje GLLP/GLRP

Em 25 de abril de 1974, um golpe militar pôs fim ao regime limitativo das liberdades públicas que vigorou em Portugal durante mais de quarenta anos. A proibição da Maçonaria deixou de vigorar. A sede do Grande Oriente Lusitano foi-lhe devolvida. Ficaram criadas as condições para o normal retomar da atividade maçónica em Portugal.

As perto de quatro décadas de proibição, porém, inevitavelmente causaram assinalável mossa. Restavam no país poucas dezenas de maçons, a maior parte de avançada idade. Praticamente, havia que recomeçar muito próximo do zero.

Quem restava para disseminar a Luz da Tradição maçónica era um misto de velhos republicanos e de políticos oposicionistas ao regime político derrubado. Lançaram-se ao trabalho de reimplantação da Maçonaria no país. Iniciações, rejuvenescimento, criação de novas Lojas, foram palavras de ordem essenciais. Em alguns anos, as poucas dezenas passaram a centenas, ultrapassaram o milhar. O GOL renasceu das cinzas!

Naturalmente que, estando na origem deste trabalho os maçons que restavam em 1974, quase todos ligados à atividade política, a base de recrutamento inicial foi constituída por pessoas intervenientes na Causa Pública. O GOL retomava, após o hiato forçado, as suas características de organização com forte influência política e nas políticas propostas para o país.

Mas o rápido crescimento não se circunscreveu a atores políticos. Os meios universitários, o empresariado, as profissões liberais, os meios sindicais, revelaram-se profícuos campos de recrutamento.

A diversidade de interesses e de experiências, aliada ao corte de mais de quarenta anos na vida maçónica normal, veio, a seu tempo, a gerar duas correntes no GOL.

Uma delas era constituída por pessoas com evidente interesse na Política e na sua prática. Representava, digamos, o GOL "tradicional", vindo da I República, com todas as suas qualidades e defeitos. Designadamente, a tendência para a intervenção organizada na atividade política.

Outra corrente, porém, se formou constituída por maçons que ganharam consciência de que, internacionalmente, a Maçonaria não era só - e não era principalmente - constituída pela corrente interventiva politicamente, na esteira do Grande Oriente de França, que a Maçonaria internacionalmente consagrada na maior parte do Mundo era a Maçonaria Regular, crente e não interveniente politicamente em termos coletivos. E esta segunda corrente aspirava à reintegração no seio da Maçonaria Regular internacional, o que implicava uma profunda mudança no GOL, o seu afastamento do GOF, a recusa de admissão de ateus e agnósticos, enfim, o abandono do campo da Maçonaria Liberal, ou Irregular, em favor do campo da Maçonaria Regular.

Na década de oitenta do século passado, esta corrente tinha já uma expressão no interior do GOL com peso suficiente para suportar candidaturas às eleições para Grão-Mestre - mas não maioritária, não suficiente para tornar vencedora uma sua candidatura.

Vistas as coisas com a objetividade que a distância temporal nos permite, a longa tradição de alinhamento pelas teses do GOF, a matriz de intervenção política que, de longa data, era já identitária do GOL, tornavam praticamente impossível a sua mudança de rumo para a Maçonaria Regular.

As clivagens entre as duas correntes foram-se sucedendo, aprofundando e agravando. Fernando Teixeira, que viria a ser o Grão-Mestre Fundador da Grande Loja Regular de Portugal, hoje GLLP/GLRP, referiu várias vezes, o desagrado com que ele e outros que viriam a cindir do GOL assistiam à discussão e tomada de decisões em Loja de assuntos referentes à política do país, deliberações destinadas a serem executadas pelos maçons em posições de governação ou de atividade política. Com particular indignação, várias vezes lhe ouvi dizer que chegou a haver reuniões de Loja dedicadas à elaboração da lista de Secretários de Estado do Governo prestes ou acabado de entrar em funções...

Poder-se-á porventura duvidar do que Fernando Teixeira disse, considerá-lo um exagero. Mas, em abono da sua informação e da efetiva utilização das reuniões de Loja para discutir e deliberar em matéria política, posso citar a seguinte passagem de uma entrevista dada ao Jornal do Centro e publicada em 23 de setembro de 2011 pelo anterior Grão-Mestre do GOL, António Reis (os destaques são meus):

Pergunta: Se, como defendem, os grandes desenvolvimentos da humanidade estão ligados aos maçons, de que forma têm a marca da maçonaria os desenvolvimentos de Portugal do pós 25 de Abril?
Resposta: Dou um exemplo concreto que tem a ver com a zona onde estamos, a região Centro do país. É o caso da Lei do Serviço Nacional de Saúde. É uma extraordinária Lei, que mudou completamente o panorama da Saúde em Portugal, principalmente no acesso que a ela tem a população. É da autoria de um grande maçon que me antecedeu no cargo de Grão-Mestre: António Arnaut, um homem de Coimbra. A Lei do Serviço Nacional de Saúde foi discutida na loja maçónica à qual pertencia António Arnaut e recebeu contributos dos irmãos daquela loja antes de ter sido apresentada e aprovada na Assembleia da República em 1979. O mesmo tinha acontecido 60 ou 70 anos antes com a famosa Lei de Separação entre a Igreja e o Estado, apresentada por Afonso Costa na Loja do Futuro, em Lisboa. Estes são casos concretos em que a Maçonaria interveio na vida política e na legislação do país.

Não está em causa a bondade da decisão (concordo em absoluto com o Serviço Nacional de Saúde, como concordo com a separação das Igrejas e do Estado, indispensável a uma sã e vera Liberdade Religiosa para todos). A clivagem havida teve e tem a ver com a prática, a forma, o meio utilizado: enquanto, para a Maçonaria Liberal, ou Irregular, é benéfico que a Maçonaria prepare, no seu seio, uma reforma política e diligencie pela sua aprovação e execução pelos órgãos de soberania, a Maçonaria Regular entende que os locais próprios para debater e preparar propostas políticas são os partidos, as associações cívicas, os fora políticos, não as Lojas maçónicas. Podem os maçons, se assim o entenderem, intervir politicamente, a título individual, nos fora, nos partidos, nas associações cívicas, que entenderem. O que não é admissível é que a própria instituição maçónica se transforme, ela própria, num espaço de intervenção e decisão política.

Esta clivagem veio a originar, na década de oitenta do século passado, a saída do GOL dos maçons que aspiravam à reintrodução da Maçonaria Regular em Portugal e subsequente constituição, em 29 de junho de 1991, da Grande Loja Regular de Portugal, hoje Grande Loja Legal de Portugal/GLRP.

Rui Bandeira

11 outubro 2011

O mistério dos veneráveis desaparecidos



É saudável e desejável que uma loja maçónica seja composta por obreiros de diversas idades, maturidades e experiências; quando tal sucede, alarga-se o leque de crescimento potencial de cada um. Na Mestre Affonso Domingues temos desde aprendizes com vinte e tal anos de vida a mestres octogenários com mais de quarenta anos de maçonaria, e o contacto entre uns e outros é muito enriquecedor.

No ano maçónico que recentemente teminou (o ano maçónico começa em Setembro, pelo equinócio de Outono) tive a honra de ser Secretário da Mestre Affonso Domingues. Para além de estar incumbido de redigir e distribuir as convocatórias, bem como redigir e apresentar as atas das sessões, é dever do secretário anotar as presenças, ausências e justificações. As novas tecnologias tornam extremamente fácil fazer-se uns "bonecos" com os números em bruto; de uma simples folha de cálculo com os mapas da assiduidade ao longo das sessões pode extrair-se vários números interessantes.

A Loja Mestre Affonso Domingues tem uma vintena de anos, e uma meia centena de obreiros. Cada sessão do ano transato teve, em média, cerca de 18 presenças. Há perfis de assiduidade de todos os tipos, desde os que não perdem uma aos que, ao longo de um ano, não conseguiram ir a uma única sessão. Há os que aparecem quase sempre; os que faltam quase sempre; e há os assim-assim, em vários gradientes.

Os mais assíduos são, na maioria, Aprendizes e Companheiros. É natural; ainda entusiasmados - diria: ainda apaixonados - não perdem uma oportunidade, sequiosos de aprender, de conhecer, de avançar. E estranho é - e mau sinal! - que assim não seja. Se um Aprendiz começa a faltar muito, quase sempre se acaba por vê-lo sair, desmotivado ou ciente de que a Maçonaria pouco ou nada lhe diz. Um Companheiro raramente fica pelo caminho; já que fez metade do caminho, acaba por fazer a outra metade. O pior é depois: chegados a Mestre, muitos ficam-se por aí e, desmotivados, acabam por desaparecer - ou ir desaparecendo, caindo na rank da assiduidade.

Fruto desta experiência, é costume, na Mestre Affonso Domingues, ocupar-se desde cedo os novos Mestres com ofícios que lhes permitam manter-se motivados, aprender novas valências, e ser úteis à Loja. O percurso costuma, mais coisa menos coisa, começar pelo cargo de Tesoureiro, passando a Secretário, depois a Mestre de Cerimónias, a Segundo Vigilante, a Primeiro Vigilante, e por fim a Venerável Mestre, seguindo-se um ano como Ex-Venerável, e terminando como Guarda Interno. Leram bem: 8 anos, dos quais os últimos dois são bastante mais calmos do que os anteriores. Os ofícios de Orador, Experto, Hospitaleiro e Organista não fazem, normalmente, parte desta sucessão - que, note-se, não é rígida e, com exceção do Tesoureiro (que é eleito) pode ser alterada pelo Venerável Mestre, pois é este quem nomeia os "seus" oficiais.

Um ano como Aprendiz, outro como Companheiro, eventualmente um ano de interregno (ou não...) e depois seis a oito anos de ofícios sucessivos. Uma década de atividades diferentes. Será de estranhar que, do terço dos obreiros da Loja que já foi instalado na Cadeira de Salomão, apenas um terço seja assíduo às sessões? De facto, é corolário frequentemente repetido entre nós que, depois de descer da cadeira, o ex-venerável desaparece para raramente voltar a ser visto. Muitos perguntam-se o que falhou, o que leva esses irmãos a deixar de aparecer, o que é que a Loja pode fazer para os cativar de novo.

Acho que nada pode ser feito; e que é, mesmo, normal que assim suceda.

Em certa medida, uma loja é como uma universidade: entra-se com um objetivo - aprender - e sai-se com a autonomia que permite continuar a aprender sozinho. A maioria fica-se pelo ciclo inicial de conhecimento, pega no canudo e faz-se à vida. Alguns - poucos! - continuam a querer aprender sempre mais. Destes, uns tantos ganham o gosto de ajudar outros a seguir os seus próprios percursos. Tal como uma universidade é feita de muitos alunos, e de uns tantos professores que marcam o centro e os limites da estrada, alertam para os precipícios e partilham da experiência de muitas caminhadas, assim é uma Loja com muitos Aprendizes e Companheiros, e uns quantos Mestres Instalados.

Os Mestres Instalados que insistem em continuar a aparecer são o maior tesouro de uma Loja. Entre nós, são poucos mas bons: um terço de um terço. São eles a nossa fração de antiguidade, as nossas "âncoras no passado", a nossa memória não escrita.

Paulo M.

06 outubro 2011

Maçonaria e Poder (XII)


Sebastião de Magalhães Lima
Grão-Mestre do GOL entre 1907 e 1928
Membro do Diretório do Partido Republicano


Em 1877, consuma-se o cisma maçónico entre a Grande Loja Unida de Inglaterra e o Grande Oriente de França. O GOLU (Grande Oriente Lusitano Unido) já estava então claramente na órbita do Grande Oriente de França, com ele partilhando, quer em resultado das vicissitudes nacionais no século XIX, quer por via da influência da instituição francesa na portuguesa, as caraterísticas que demarcaram a postura do GOF e que este herdou dos valores saídos da Revolução Francesa: a laicidade, o anticlericalismo, o igualitarismo, o republicanismo.

A Maçonaria portuguesa, que anteriormente interviera em defesa do ideário liberal, a partir do último quartel do século XIX alinhou resolutamente na corrente da Maçonaria dita Irregular, em todas as suas vertentes, incluindo a do republicanismo.

A Monarquia Constitucional já não lhe era bastante. Cada vez mais maçons e cada vez mais a Maçonaria portuguesa, como um todo, se entendiam, laicos, anticlericais, igualitários e republicanos. Certamente que alguns, talvez ainda num número com algum significado, eram maçons sem serem republicanos. Mas seguramente que a muitos destes lhes era indiferente a questão do regime, ou seja, não eram propriamente partidários da República, vivendo sem desagrado em Monarquia, mas também não teriam problemas em viver numa República...

Se as fileiras da Maçonaria se distribuíam entre uma poderosa corrente republicana, uma massa de indiferentes quanto à questão do regime e uma minoria de monárquicos, as fileiras do Partido Republicano eram muito mais homogéneas: seria difícil encontrar um republicano, ou, pelo menos, um político republicano, que não fosse maçom...

Os eventos históricos são conhecidos: em 1908, o Regicídio, perpetrado por dois carbonários (mandando a verdade dizer que a Carbonária, extremista, diríamos hoje mesmo que terrorista, era uma organização diferente e separada e independente da Maçonaria, mas que alguns, e talvez não tão poucos como isso, carbonários eram simultaneamente maçons), dois anos depois a Revolução Republicana do 3-5 de outubro de 1910.

A Revolução Republicana foi levada a cabo por maçons e instaurou o ideário maçónico da época, na sua vertente influenciada pela corrente Irregular: instituições republicanas, com separação e divisão de poderes entre os vários órgãos do Poder, ideário a favor da Igualdade essencial dos cidadãos (partilhado com a corrente maçónica tradicional), um profundo e ativo anticlericalismo e um indefetível laicismo. Não admira, assim, que um dos primeiros atos do novo Poder tivesse sido a publicação da Lei da Separação entre a Igreja e o Estado e a respetiva execução.

Os políticos republicanos eram todos, ou quase, maçons. Não obstante esse traço de união, tal como sucedera com a vitória do Liberalismo, obtida a vitória da República, dividiram-se nos vários grupos políticos e nas várias fações que, desde as mais conservadoras às de tendências mais esquerdistas, conviviam - e se combatiam! - no seio do Partido hegemónico do Regime, o Partido Republicano, ou Democrático.

A Política executava o ideário maçónico dominante, a Maçonaria enquadrava os políticos. Durante o dia, os políticos atarefavam-se nos Ministérios, no Parlamento, nos Diretórios partidários. À noite reviam-se nas reuniões das Lojas! A I República foi o apogeu da Maçonaria - melhor dizendo, de uma certa conceção da Maçonaria - em Portugal. Foi o tempo em que mais intrincada e próxima foi a ligação entre a Maçonaria e o Poder, em Portugal.

De alguns tiques do Poder, da fama de influenciar ou dirigir o Poder, que nesse tempo foi justa, nunca mais, até hoje, a Maçonaria portuguesa se veio a livrar, só agora, lentamente, os mais esclarecidos, e apenas estes, começando a notar as diferenças entre as Maçonarias hoje existentes no País.

Mas a vida é feita de ciclos. O que hoje sobe triunfantemente os degraus do Poder, deles vai tombar amanhã. As ideias pujantes de uma geração são contestadas pela geração seguinte. Os desequilíbrios decorrentes de exercícios voluntaristas do Poder acumulam-se, com eles as tensões sociais e a força apelativa das ideias opostas, ou simplesmente diferentes, mas novas.

Dezasseis curtos anos levou a I República até evidenciar sinais de desgaste dificilmente ultrapassáveis, até os desequilíbrios económicos, as tensões sociais, os conflitos ideológicos e de poder resolvidos nas ruas, de armas na mão, inevitavelmente a conduzirem à sua queda.

O Poder militar interveio, levou à mudança de regime. Outra ideologia, bem mais conservadora, bem menos democrática, bem mais próxima da Igreja, ascendia e acedia ao Poder. Conservá-lo-ia por quase meio século.

Embora alguns dos militares que puseram fim à I República fossem maçons, a Maçonaria viria, inevitavelmente, a pagar - e bem caro pagou! - o preço do seu entrelaçamento com o Poder republicano. Menos de uma década se passou após o golpe militar de 28 de maio de 1926, para que, já sob a mão-de-ferro do novo titular do Poder, Oliveira Salazar, companheiro de juventude de um clérigo que durante décadas seria o Cardeal Patriarca de Lisboa, o Cardeal Cerejeira, toda a força do novo Poder se abatesse sobre a Maçonaria: em 21 de maio de 1935, é publicada a Lei n.º 1901, que ilegalizou e dissolveu juridicamente as chamadas Sociedades Secretas e as desapossou dos seus bens, entregando-os à Legião Portuguesa.

O GOL (já assim se denominava) passa à clandestinidade. A atividade maçónica quase que desaparece em Portugal. Apenas, crê-se, duas Lojas, uma em Lisboa, outra em Coimbra, não abateram nunca colunas durante o longo período de clandestinidade. Outras terão mantido atividade, mais que irregular, meramente esporádica, raramente reunindo formalmente, mantendo os seus membros contactos na vida profana.

Dezasseis anos de apogeu, quase quarenta anos de trevas - este o preço que a Maçonaria portuguesa, alinhada na corrente dita Irregular, pagou pela sua proximidade e imbricação com o Poder!

Fontes:

http://revolucaoemfranca.blogspot.com/2011/06/maconaria-e-revolucao.html (um texto notável, cuja leitura recomendo vivamente)
http://pt.wikipedia.org/wiki/Lei_n.%C2%BA_1901,_de_21_de_Maio_de_1935

Rui Bandeira

05 outubro 2011

Contra factos...



Todos conhecemos a controvérsia em torno da educação sexual, mesmo quando uns e outros acordam que esta deva ser instrumento de prevenção de doenças e gravidezes indesejadas. De um lado, uns advogam a promoção da abstinência, de padrões de conduta e de dicotomias entre bem e mal, no contexto de que o ato sexual é público e sagrado e como tal sujeito às leis da moral e da religião. Do outro lado, outros promovem o recurso a meios anticoncecionais, a permissividade perante uma gama alargada de identidades e práticas sexuais, e reduzem o ato sexual a um ato biológico privado e regido pelas leis naturais. Pelo meio, uma multiplicidade de posições mais ou menos moderadas e contemporizadoras.

Em poucos países este debate é tão verrinoso e extremado como nos Estados Unidos da América. Recentemente, em face do contexto económico desfavorável e dos inevitáveis cortes orçamentais em tudo quanto se afigure supérfluo, terá recrudescido uma forma muito pragmática de elaborar políticas, nomeadamente no que concerne a saúde pública mas não só: aquilo a que se chama "prática baseada na evidência" (evidence-based practice).

Em sentido lato, pode dizer-se que se trata de uma metodologia que parte da análise estatística dos efeitos de um certo tipo de ato (seja este um tratamento médico, uma prática pedagógica, ou mesmo determinada punição prevista na lei) sobre uma população, no sentido de se aferir e comparar a eficácia relativa de diferentes abordagens ao mesmo problema. Ou dito de outra forma: experimenta-se, mede-se os resultados, e decide-se com base nestes.

Recentemente, primeiro as seguradoras e depois os próprios sistemas de segurança social começaram a questionar a validade e eficácia de certos métodos, tratamentos ou "curas", no sentido de evitarem desperdícios em atos inúteis mas muitas vezes dispendiosos. Estas entidades passaram a exigir que se demonstrasse um nexo de causalidade entre o tratamento e os benefícios que do mesmo supostamente adviriam. Uma das aplicações mais conhecidas deste método é a dos ensaios clínicos que se fazem na indústria farmacêutica quando se procura determinar se certos medicamentos são úteis no tratamento de determinadas doenças.

De facto, certas áreas do conhecimento foram, num ou noutro momento da História, pouco coesas e meramente acumulativas de saberes distintos e pessoais de sucessivas gerações, sucedendo que muitas das práticas carecessem de evidências científicas que as justificassem. Por outro lado, esta "fluidez" de conhecimento levou ao aparecimento de oportunistas e burlões (como os famosos "vendedores da banha da cobra") que alegavam conhecimentos que, aos olhos dos leigos, lhes permitiam confundir-se com os profissionais formalmente treinados. Não admira, assim, que estes últimos tivessem sido dos primeiros a defender uma metodologia que separasse os atos úteis (os seus) dos inúteis (dos outros) com base nos seus resultados, alegando mesmo o interesse da saúde pública...

Esta metodologia tem, com mais ou menos resistência, sido adotada por outros campos do saber, por outras áreas de atividade, a ponto de ser hoje em dia indiscutíveis, em muitos meios, as suas virtudes. O ensino formal nas escolas ensina esta forma de pensar, o que a vem divulgando e democratizando cada vez mais - chamam-lhe "método científico". Mas, se formos ver o que foi o Iluminismo, e como este apresentou a Razão a uma humanidade obscurecida pela tradição, pela inércia e pela superstição, rapidamente encontramos nele as origens deste método de pensamento. Passa-se, graças a ele, de um mundo em que as leis são inquestionáveis, aplicadas de cima para baixo e legitimadas por um qualquer direito divino, para uma sociedade que produz as sua próprias leis, que tudo questiona e em que tudo é passível de escrutínio e validação.

Voltando ao início, nos Estados Unidos levou a que fossem cortados fundos aos programas de educação sexual que não apresentassem os resultados esperados. Não se discutiu os méritos das ideias: discutiu-se, pragmaticamente, financiar o que quer que seja que funcione.

A Maçonaria Regular, orgulhosa filha do Iluminismo, não se mete em controvérsias de cariz político. Não deixa, todavia, de influenciar, através da educação de cada um, a forma como se faz política, mas com uma diferença muito grande face ao poder político: estes últimos têm as próximas eleições como horizonte temporal; os maçons ficam contentes por saber que ajudaram, ao longo dos últimos 300 anos, a tornar o mundo um pouco mais justo e perfeito.

Paulo M.

28 setembro 2011

Maçonaria e Poder (XI)


General Gomes Freire de Andrade

Em 1804, constituiu-se formalmente o Grande Oriente Lusitano. Foi seu primeiro Grão-Mestre o desembargador Sebastião José de São Paio de Melo e Castro Lusignan, neto do Marquês de Pombal. Também integrou o Grande Oriente o General Gomes Freire de Andrade. Sinal da sua já forte ligação ao Grand Orient de France é o facto de a sua primeira Constituição maçónica, de 1806, ter adotado o Rito Francês como rito oficial e exclusivo do Grande Oriente Lusitano. Outro sinal disso foi um episódio ocorrido após a entrada de Junot em Lisboa, em 1807: uma delegação do Grande Oriente Lusitano, encabeçada pelo irmão do Grão-Mestre, Luís de São Paio de Melo e Castro, foi cumprimentá-lo ao seu quartel-general. O entendimento entre o general invasor e os maçons, de influência francesa, foi tão grande, que (valha a verdade, com indignação de muitos maçons) chegou a ser proposta, numa Loja, a substituição do retrato do Príncipe Regente pelo do Imperador Napoleão e, mesmo, foi apresentada proposta para que Junot viesse a ser nomeado Grão-Mestre! Os simpatizantes da causa francesa foram, porém, longe de mais e a maioria dos maçons manifestou-se contra os invasores.

Rechaçada a invasão de Junot, novas Invasões Francesas, a segunda comandada pelo General Soult e a terceira pelo Marechal Massena, têm lugar. Acorre um corpo expedicionário inglês, integrando muitos maçons - ao ponto de ter tido lugar um desfile de militares britânicos maçons, com bandeiras e emblemas. A atenção da Inquisição centrou-se, de novo, na Maçonaria, tendo, em 1810, sido presos 30 maçons, sob a acusação de serem simpatizantes da causa francesa. O Duque de Sussex, filho de Jorge III (que viria, em 1813, a ser o último Grão-Mestre da Premier Grand Lodge e o primeiro Grão-Mestre da Grande Loja Unida de Inglaterra), intercederia pela sua libertação.

Após a expulsão das tropas francesas, ficou a dirigir o Exército português (e na regência de facto do país...) o Marechal Beresford, que favoreceu a atividade maçónica. Em 1812, só em Lisboa existiam 13 Lojas. Foi um breve período em que a Maçonaria portuguesa voltou a florescer ao abrigo da orientação inglesa.

Entretanto, Gomes Freire de Andrade, que integrara a "Legião Portuguesa" criada por Junot, que partira para França em 1808, sob o comando do Marquês de Alorna, e que participara na campanha da Rússia, regressou a Portugal e participou ativamente na contestação à suserania britânica. Eleito Grão-Mestre do Grande Oriente Lusitano em 1816, prepara, a partir do próprio GOL, uma insurreição contra Beresford. Em 25 de maio de 1817, é, juntamente com mais outros onze oficiais, preso, por denúncia de três outros maçons (três traidores, como na Lenda do 3.º grau...),
José Andrade Corvo de Camões, Morais de Sarmento e João de Sequeira Ferreira Soares, e posteriormente todos enforcados - Gomes Freire de Andrade em São Julião da Barra e os demais no Campo de Santana, hoje Campo dos Mártires da Pátria.

Na sequência destes factos, D. João VI promulga, do Brasil, um alvará régio declarando «criminosas e proibidas todas e quaisquer sociedades secretas, incorrendo os seus membros no crime de lesa-majestade, com as severas penalidades consequentes». A Maçonaria passa à clandestinidade!

A Revolução Liberal de 1820, no Porto, tem forte participação maçónica: integraram os conspiradores os maçons Manuel Fernandes Tomás, Desembargador da Relação do Porto, José Ferreira Borges, advogado, José da Silva Carvalho, advogado, João Ferreira Viana, Duarte Lessa, José Maria Lopes Carneiro, José Gonçalves dos Santos, João da Cunha Souto Maior e vários outros. Cunha Souto Maior e Silva Carvalho viriam, mais tarde, a ser Grão-Mestres do GOL.

Claro que, chegado o tempo da contra-revolução absolutista, os maçons iriam pagar o preço do seu envolvimento no Liberalismo. Em 1823, um novo édito de D. João VI condenava a atividade maçónica - de Pedreiros Livres, Carbonários e Comuneros - com o degredo de cinco anos em África e numa multa pecuniária de mais de cem mil reis para os cofres das obras pias e muitos maçons, juntamente com outros liberais, são presos em Peniche (não foi só no século XX que o Forte de Peniche serviu de masmorra para opositores políticos...). Uma pastoral do cardeal de Lisboa contra os maçons veio a originar o assassínio, pela plebe inflamada, de 17 maçons, entre os quais o Marquês de Loulé. O padre de Campo Maior proclamava: " Deve ser derramado em massa o sangue dos portugueses como antigamente o sangue dos judeus porque o infante jurou não embainhar a espada antes de resolver a situação com os maçons. Estou sequioso de banhar as minhas mãos de sangue". Em cumprimento de ordem nesse sentido do Grão-Mestre, as Lojas foram fechadas e a Maçonaria remeteu-se, de novo, à clandestinidade, salvo no bastião liberal da ilha Terceira.

D. Pedro IV - que fora nomeado Grão-Mestre da Maçonaria brasileira em 1822 - organiza, a partir da Terceira, uma força expedicionária liberal, que, sob o seu comando, desembarca no Mindelo em 1832 e se apodera do Porto. Embora cercadas nessa cidade, parte das tropas liberais reembarca nos navios que as trouxera dos Açores e desembarca no Algarve, marchando sobre Lisboa, sob o comando do Marechal Saldanha, tomando a capital em agosto de 1833.

D. Pedro IV é aclamado rei e as forças clericais não tardam a pagar o preço pelo seu alinhamento com o absolutismo e a sua perseguição aos maçons: os jesuítas são de imediato expulsos (de novo, após a primeira expulsão, decretada pelo Marquês de Pombal, posteriormente anulada após a saída deste do Poder), os padres e frades que haviam defendido a usurpação miguelista são punidos e, com a Convenção de Evoramonte (que formalizou o definitivo exílio de D. Miguel), em 1834, é suspensa a atividade de todas as Ordens Religiosas.

No plano maçónico, a confusão e a divisão grassava: os liberais exilados elegeram, nada mais, nada menos, do que dois Grão-Mestres: pelos expatriados em Inglaterra, José da Silva Carvalho; pelos acolhidos em França, o Duque de Saldanha. Regressados os liberais a Portugal, no Porto é eleito ainda um terceiro Grão-Mestre, Passos Manuel. Não há fome que não dê em fartura e, num ápice, passa haver três Grandes Orientes em Portugal, rivalizando entre si! Escreveu Borges Grainha que «nos ministérios consecutivos que D. Maria II chamou ao poder, em curtos intervalos, entrava, geralmente, algum Grão-Mestre desses Orientes, encontrando-se na Oposição os Grão-Mestres dos outros. O resultado era assim que havia Orientes e lojas ministeriais frente a Orientes e lojas oposicionistas».

Esta confusão ainda conseguiu aumentar mais, antes de tudo desaguar em reunificação, trinta anos depois. O Grande Oriente de José da Silva Carvalho adotou o nome de Grande Oriente de Portugal. Neste, seria, em 1840, por breve período, Grão-Mestre o ministro Costa Cabral. Tendo este sido substituído, em meados desse ano, pelo Visconde de Oliveira, Costa Cabral e os seus partidários afastam-se e criam a Grande Loja Portuguesa (e vão quatro!). Por seu turno, as organizações de Saldanha e de Passos Manuel reunificam-se na Confederação Maçónica (passa, de novo, a três!). Mas, entretanto, sob o malhete de Mendes Leal, forma-se o Grande Oriente Lusitano (passa a quatro!) e, dirigida por José Elias Garcia, cria-se a Federação Maçónica (e vão cinco!). A isto, há que juntar um Oriente do Rito Francês (contem seis!) e uma Grande Loja Provincial do Oriente Irlandês (chegamos a sete!). Mas não desesperemos: o Grande Oriente de Portugal, a Grande Loja Portuguesa, a Confederação Maçónica e a Federação Maçónica agrupam-se no Grande Oriente Português (ficam quatro!), este associa-se, em 1869, ao Grande Oriente Lusitano e ao Oriente do Rito Francês, constituindo o Grande Oriente Lusitano Unido e, três anos depois, este acolhe no seu seio a Grande Loja Provincial do Oriente Irlandês. Em 1872, está reunificada a Maçonaria Portuguesa, no Grande Oriente Lusitano Unido !

Os três primeiros quartéis do século XIX marcaram a ascensão, divisão e reunificação da Maçonaria em Portugal. Retrospetivamente, entendo poderem tirar-se algumas conclusões, que nos ajudam a elucidar os acontecimentos futuros:

1) Tendo como pano de fundo o conflito franco-britânico, vemos, num primeiro momento, desenvolverem-se em Portugal duas orientações maçónicas: a inglesa e a francesa, cada uma sob a proteção dos respetivos exércitos.

2) O Poder clerical alinha politicamente com o absolutismo e ambos reprimem a Maçonaria; a Maçonaria alinha ativamente pelo Liberalismo. Como consequência, acentua-se o anticlericalismo, quer nos Liberais, quer nos maçons.

3) As circunstâncias decorrentes da repressão absolutista e clerical fazem com que ambas as correntes maçónicas (francesa e inglesa) participem ativamente no campo liberal, muito cedo se impondo (independentemente da origem de cada tendência) a direta intervenção na luta política, não só dos maçons, como das organizações maçónicas, enquanto tal. Ou seja, o século XIX em Portugal marca a prevalência da interferência das organizações maçónicas na vida e nas lutas políticas, independentemente da origem "inglesa" ou "francesa" de cada maçom ou de cada Loja. Esta caraterística virá a perdurar indisputadamente por mais um século, em Portugal.

4) Com o triunfo do Liberalismo e a integração direta na área do Poder político dos maçons (que lutaram, de armas na mão, pela vitória desse ideal), surgem em poucos anos, várias divisões na Maçonaria. Foi o preço - quiçá inevitável - da direta interferência da Maçonaria na luta política, passando os maçons a dividirem-se segundo as suas clivagens políticas.

5) Os maçons laboriosamente conseguem reunificar-se e a Maçonaria portuguesa entra no último quartel do século XIX reunificada no Grande Oriente Lusitano Unido.

Então, esbatida já a controvérsia absolutismo-liberalismo, começava a esboçar-se a questão seguinte: Monarquia x República. A Maçonaria viria a posicionar-se nesta controvérsia com o efeito de duas caraterísticas que, a meu ver, explicam o seu papel nos eventos futuros: o hábito de intervir politicamente e o anticlericalismo que as perseguições clericais instalaram na sua matriz de pensamento. Para o bem e para o mal, estavam reunidos os elementos que levariam ao apogeu e queda da Maçonaria em Portugal, em escassos sessenta anos.

Fontes:

http://www.freemasons-freemasonry.com/arnaldoG.html http://pt.wikipedia.org/wiki/Gomes_Freire_de_Andrade http://213.58.158.155/NR/rdonlyres/5687C9BA-2CAD-45D8-9ACE-75DA5FB7E047/2999/Jos%C3%A9daSilvaCarvalho.pdf
http://www.gremiolusitano.eu/?page_id=37

Rui Bandeira

24 setembro 2011

O almoço



A pequenita - teria uns 7 ou 8 anos - comia com a família num restaurante de comida rápida. Compenetrada, ou talvez alheada, comia devagar o primeiro dos pedacinhos de frango que escolhera para refeição nesse dia - tão devagar, de facto, que ainda não tinha tocado nas batatas fritas.

Arrastando-se com dificuldade, tentando fazer-se invisível, mas discretamente atento ao que o rodeava, um velho sem-abrigo passa junto à mesa. Mede a miúda com os olhos, vê-a sem fome, e cobiça-lhe as batatas fritas - talvez antecipando-as já no contentor do lixo, frias e sem graça.

Na posição defensiva e encolhida de quem ouve, de manhã à noite, "não" sobre "não", aproxima-se um pouco da mesa, mantendo a distância a que está habituado a que o mantenham, e sugere à miúda, mais do que pede:
"- Se depois não quiser as batatas, não as deite fora..."

A miúda, subitamente despertada dos seus devaneios, não entende logo. Com um olhar inquisitório, pergunta à mãe:
"- O que é que aquele senhor queria?"
"- Tem fome, queria comer." - explica-lhe a mãe. "Pediu as tuas batatas fritas, se não as quisesses."

Num gesto, sem pensar, a miúda
"- Senhor!"
e ele, sem reconhecer a interpelação,
"-Senhor!" repete ela,
e ele, há muito desabituado de ser tratado assim, percebe, por fim, que é com ele, e volta-se, incrédulo perante a vista da caixa - o almoço da miúda - que ela lhe estende. Olha para a mãe da criança, que com os olhos lhe faz sinal que aceite, e ele, agradecido e balbuciante, toma a caixa e sai num repente.

A mãe, ainda não refeita da surpresa, mal contém o orgulho,
"- Fizeste bem," enquanto se levanta para ir comprar outra dose - sim, que a miúda tem que almoçar.

Essa, impávida e sem perceber o que a mãe vai fazer, ataca com a maior naturalidade as batatas - o que restou do seu almoço. Sem pedir mais nada.

Filha de maçons.

Paulo M.