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19 junho 2017

Tentar tirar sentido do que não tem sentido


Mais de seis dezenas de mortos. Mais de seis dezenas de feridos, alguns com gravidade. Mais de uma centena de pessoas que ficou com a sua casa destruída ou fortemente danificada. A maior tragédia do género de que há memória recente em Portugal. Um incêndio grassa desde sábado na zona centro de Portugal. Ainda não está debelado no momento em que escrevo. 

Todos os anos Portugal é assolado pelas chamas. Clama-se contra o eucalipro. Denuncia-se a falta de prevenção. Aponta-se o dedo a incendiários. Prometem-se medidas. Reforçam-se meios. Mas todos os anos recomeça o calvário.

No entanto, desta vez não há dedos a apontar, culpas a denunciar. Desta vez, pura e simplesmente aconteceu porque a natureza fez acontecer e nada nem ninguém podia ter evitado que acontecesse. Uma trovoada seca. Um raio que cai sobre uma árvore e a incendeia. Temperatura altíssima, da ordem dos quarenta graus centígrados. Humidade baixíssima. O incêndio que a natureza ateou propaga-se como um rastilho. Rapidamente atinge grandes proporções e espalha-se por quatro frentes. O vento atiça as chamas. As chamas aumentam o vento e tornam-no imprevisível nas suas mudanças de direção. O fogo parece ganhar vida e sanha destruidora. Avança por um lado, muda de direção, propaga-se pelas copas das árvores. Cerca gente que dele procura fugir e tira-lhe a vida que procurava salvar.

Mais de sessenta mortos. Mais de sessenta feridos. Destruição.

Tem-se a sensação que é mais uma tragédia sem sentido, que só podemos a ela reagir como pudermos e se pudermos.

Mas é importante que procuremos extrair algum sentido desta tragédia sem sentido. É importante! Mesmo que o choque nos aturda. Mesmo que não nos apeteça refletir sobre o que nos dói. 

Uma primeira conclusão que se deve tirar é que é tempo que o Homem e cada um dos homens e mulheres neste planeta cessem a prosápia de pretender que dominam a natureza. A natureza não se domina e não é dominável, a não ser na medida em que ela própria permita que a dominemos. Mas a todo o tempo pode mostrar-nos quem realmente manda. E quem relamente manda não somos nós, por muito que nos julguemos importantes e desenvolvidos e dotados de técnicas e de conhecimento... Tivemos o exemplo, a demonstração: uma simples trovoada seca, um banal raio, condições de temperatura e humidade alinhadas para que o maior dano acontecesse e... viu-se!

O pior é que - pese embora o que o loiro americano que agora dirige os destinos de uma grande potência afirma... - as alterações climáticas estão aí. Portugal vai ter cada vez menos chuva e menos humidade. Mais secas, mais fortes e mais prolongadas. Mais períodos de altas e muito altas temperaturas. Mais situações em que um banal rastilho natural pode criar cataclismos e perdas de vidas. Temos de chorar quem caiu. Temos de cuidar de quem se salvou, mas tudo, ou muito, perdeu. Mas temos de nos preparar e de nos proteger de eventos futuros que só não sabemos quando ocorrerão - mas não duvidemos que vão ocorrer...

A prevenção é necessária, mas não chega. A intervenção e o combate são necessários, mas não remedeiam tudo. Há que juntar à indispensável prevenção as não menos importantes medidas de minimização das consequências de eventos funestos que inevitavelmente vão ocorrer. Quanto mais previrmos o que de pior pode suceder e quanto mais medidas tomarmos para minimizar as suas consequências, mais vidas se salvarão. E uma só que seja já vale a pena...

A segunda conclusão que individualmente devemos tirar é recordarmo-nos de que a nossa passagem por este plano de existência pode literalmente terminar a qualquer momento. Agora estou bem e estou aqui. Daqui a cinco minutos (ou cinco segundos...) posso não estar - de todo... Cada um deve viver a sua vida com a noção de que esta pode terminar a qualquer momento e pouco podendo cada um de nós fazer quanto a isso. Cada um deve estar sempre preparado para a Grande Passagem que inevitavelmente nalgum momento ocorrerá. Cada um deve manter as suas mãos e o seu espírito limpos e leves para que no Além não nos pesem nem impeçam - para que possamos voar para onde ansiamos e não cair para onde não desejamos. Qualquer que seja a conceção de cada um do Além que nos aguarda.

Tiremos como lições de uma tragédia sem sentido que a natureza ou é respeitada ou far-se-á respeitar - contra tudo e contra todos - e que devemos manter-nos limpos, puros e eticamente completos sempre, em cada momento da nossa vida. Porque esta terminará a qualquer momento e não sabemos quando.

Este o sentido que tentei tirar do que não tem sentido.

Mas, por agora, ainda é tempo de chorar os que cairam, cuidar dos que sobreviveram, lutar contra a calamidade e, sobretudo, cada um de nós demonstrar verdadeira solidariedade.

Que assim seja!

Rui Bandeira