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07 março 2016

"Assombrações maçónicas…"


Começo o título do texto de hoje com a palavra "assombrações" porque de lés-a-lés surgem notícias que assombram o mundo maçónico
Algumas vezes são verídicas e factuais, outras nem tanto, mas a maioria totalmente falsas. Contudo, as notícias que me suscitam alguma preocupação na verdade, são aquelas que são mesmo verdadeiras e que focam algo que foi feito ou envolveu de forma negativa algum membro da Ordem Maçónica.

Quando algum maçom transgride as regras da "civilização", seja através de condutas marginais ou por comportamentos ditos desviantes, e por isso mesmo passiveis de críticas por ultrapassarem qualquer tipo de razoabilidade, não será apenas o maçom em questão que sofre as consequências, mas a Maçonaria na generalidade; até porque a opinião pública irá sempre condenar a Maçonaria no seu todo e não apenas quem foi o causador da notícia ou situação em apreço.

Quando ocorrem esse tipo de situações, por norma, são sempre desenvolvidas novas teorias face às existentes bem como outras são usualmente relembradas, sejam elas verdadeiras ou falsas -para o comum dos mortais o que importa é falar, mesmo que não saiba do quê!- e são sempre lançados para a "fogueira" nomes de eventuais maçons, tenham essas pessoas ligações à Maçonaria ou não, acarretando sérios prejuízos para essas personalidades.

Naturalmente que todos os maçons condenam quem não sabe viver em sociedade, principalmente aqueles que se assumem como sendo "pessoas livres e de boa conduta", porque esses devem ter sempre algum cuidado e parcimónia nas suas ações, uma vez que estão sempre debaixo do escrutínio permanente do mundo profano.

Algo que os maçons deverão ter atenção é que devem nas suas práticas mundanas ter os mesmos comportamentos que  terão na sua vida privada, ou seja, " fazer à vista de todos o que fariam se ninguém os estivesse a observar". E ter tal noção é uma forma de limitar acontecimentos onde poderão "derrapar" ou que sejam propícias situações impróprias para os maçons, seja a nível pessoal como coletivo.

O "segredo" que é análogo à Maçonaria também fomenta tais situações, porque pode levar a pensar que a coberto de um certo tipo de secreticidade tudo se possa fazer; o que na realidade é completamente falso!
A ignorância profana sobre o que se passa no seio das Lojas Maçónicas leva à efabulação sobre o que por lá é tratado. E essa é quiçá uma das condicionantes a que todos os maçons estão sujeitos.

Normalmente quando a Maçonaria é falada nos círculos mais mundanos é quase sempre referente a teorias que pululam por aí, sobre os rituais possíveis de serem praticados ou pela eventual identificação dos membros de alguma Obediência. Mas quando algum maçom se mete a jeito, tanto pior... A mediatização que envolva um caso que envolva um maçom ou algum alegado maçom é amplamente exponenciada, mesmo que o indivíduo seja inocente ou não. A fome pela obtenção de informação sobre qualquer coisa que envolva ou toque a Maçonaria é sempre enorme.

Mas quando é tornado público situações que envolvem conflitos de egos, usurpações de poder, ambições desmedidas, projetos pessoais e afins, obviamente que a crítica é forte e incisiva, pois se a Maçonaria se assume como uma Ordem de carácter espiritual, como podem ter lugar tais comportamentos!?
Mas a verdade é que eles existem e temos de viver com eles, tentando solucioná-los da melhor forma possível e caso a caso. E estes "fantasmas" que vão aparecendo de tempos a tempos e que alimentam o descrédito que a população tem sobre a Maçonaria é sempre alvo de repúdio, inclusive interno no seio das várias Obediências. 

-Os problemas entre" egos e malhetes" acabam sempre por prejudicar o "esquadro e o compasso"...-

O que me remete em jeito de conclusão para a seguinte reflexão:
Farão estas individualidades tanta falta à Maçonaria que ela não subsista sem eles ou eles é que sentem que fazem falta à Maçonaria para que esta Instituição possa progredir?!"

02 fevereiro 2015

Política e Maçonaria Regular...

(imagem proveniente de Google Images)

O próprio título desta publicação poderá parecer por si só uma possível contradição.

Uma analogia direta entre política e Maçonaria Regular nunca poderá ser feita em concreto porque em Maçonaria Regular não se discute política. E muito simplesmente porque tal não é permitido pelas suas próprias regras, os seus Landmarks, que no seu sexto artigo impede que este tipo de discussão possa ter lugar numa loja maçónica. 

O próprio Rui Bandeira, autor deste blogue, já teve oportunidade de expressar a sua opinião, tanto neste texto bem como na sua respetiva “caixa de comentários” foram debatidas outras perspetivas sobre o assunto…

Mas no que ao tema deste post concerne, a proibição existente em relação à abordagem de temas políticos numa sessão maçónica é apenas em relação à discussão e debate de ideias relativas à política partidária. Porque abordando a política como conceito em si, conceito este como sendo algo que é assumidamente necessário para quem vive na sociedade, a postura da Maçonaria Regular é diferente.

O conceito político, quando abordado no seu sentido lato, é permitido seja em debates meramente filosóficos ou que tratem de temas sociológicos ou antropológicos. Nestes casos,  as ideologias são facilmente postas de parte. Pelo que efetivamente nunca se discute se o pensamento político de “direita” ou de “esquerda”, ou se uma monarquia ou  república serão os melhores sistemas políticos a serem vivenciados pela sociedade.

Salientando também que,  devido ao cumprimento do referido Landmark, não se discute se uma religião é melhor ou pior que outra. Política e Religião em Maçonaria Regular encontram-se no mesmo patamar.

- Alíás atrevo-me a dizer que para a Maçonaria Regular, ambos estes conceitos estão colocados naquelas prateleiras muito altas que é usual se ter em casa, em que sabemos que as coisas lá estão, mas que não as conseguimos alcançar…-

Estas concepções de vida, políticas ou religiosas, a serem discutidas,  apenas o serão em em sentidos latos e meramente filosóficos. Até porque geralmente estes temas, a par da clubite desportiva, são os temas que mais dividem o Homem e fraturam a sociedade, e a Maçonaria quer-se como sendo um centro agregador de pessoas e nunca como sendo o seu foco de divisão.
Assim, relativamente à política partidária, cada maçom seguirá as políticas ou sentir-se-á representado pelo partido político que considerar que será o que melhor o representa ou que aplica e/ou defende as ideias que para si são consideradas como sendo as que maior valência deverão ser seguidas pela sociedade civil. E apenas isso.

Não obstante, é do conhecimento público em geral, que vários maçons são membros ativos de vários partidos políticos, muitos deles mesmo pertencentes a alas muito distantes politicamente e com um ideário político muito diferente e bastante divergente até. 
E isso é lhes possível  porque são livres para o fazer. 

Em nada a Maçonaria os impede de tal. Nem como instituição, nem os próprios maçons entre si, como membros desta Augusta Ordem. Cada um fará o que lhe aprouver quanto ao caminho que preferir percorrer, seja partidário ou não, e respeitará do mesmo modo, o caminho que o seu irmão decidir prosseguir…

Estes últimos parágrafos serão talvez alguns dos quais que mais confusão farão aos profanos e que podem suscitar certas teorias conspiratórias, uma vez que, pode-se sempre supor que, como poderá alguém que não se revê politicamente noutra pessoa, e que por vezes em debates mais acalorados, sejam eles no hemiciclo, sejam eles em qualquer tipo de campanha, em que algumas vezes podem inclusive roçar a falta de respeito, para depois dentro de portas ou na sua intimidade, serem amigos e considerarem-se como Irmãos?!

A própria questão encerra a sua própria resposta.

Não temos nós irmãos, familiares e amigos que têm opiniões contrárias às nossas?

Não levam eles, em alguns casos, vidas muito diferentes da que levamos?

Não têm eles concepções de vida muito distantes daquelas que consideramos como sendo as mais válidas?

Quantas vezes em debates de ideias mais acesos, não nos chateámos e depois tudo ficou resolvido como nada se passasse?

Sim, todos nós na nossa vida, passamos ou alguma vez passámos por esta situação. 

E fraternidade é isso mesmo, é ter bastante respeito pelo próximo, consagrar o direito à diferença de opinião, ser tolerante em relação a diferentes pontos de vista, e ter uma postura coerente no âmbito do debate.

Por isso é que a Maçonaria sobreviverá per si, independentemente do posicionamento político dos seus membros. 
Tudo devido ao sentimento fraternal que estes têm entre si e que os fará colocar de parte qualquer antagonismo que possa ser  motivado, neste caso,  por questões político-partidárias.

E depois no que toca à questão partidária, esta não se coloca à Maçonaria mas sim ao Povo, que como integrante fundamental da sociedade tem o dever de participar nela e contribuir para o seu progresso.

 Assim, cabe ao maçom, sendo ele mais um elemento que faz parte do povo, participar como cidadão e como parte interessada nesta questão.

O compromisso que o maçom assume com a Ordem é um compromisso de ordem moral e ética, e que não envolve sequer, qualquer forma de política neste comprometimento.
Pelo que nada melhor que o seu exemplo e conduta para servir de paradigma aos outros. 

Logo, pelos seus valores, o maçom nunca poderá agir impulsivamente nem de forma irrefletida, porque para além de não ser a forma de correta para alguém agir, e depois porque está em permanência debaixo do jugo da sociedade; assim o maçom que seja ativo políticamente na sociedade em que está inserido, deve observar sempre o cumprimento dos valores maçónicos. 

Porque estes valores em nada colidem com a liberdade de ninguém e muito menos com os direitos de todos.

 E se hoje em dia vivemos como vivemos, uma boa parte resultou de um trabalho imenso e intenso por vezes, que alguns  maçons de outrora tiveram e que propiciaram para que hoje em dia possamos usufruir  das condições que temos e que nos permitem ambicionar por mais e melhor...

26 outubro 2011

Maçonaria e Poder (XV)

Estandarte da GLLP/GLRP

Se a GLLP/GLRP não intervém politicamente, então não deve ter no seu seio políticos. Se os tem, não deveria ter - ou então pratica de facto aquilo que nega de palavra. Esta é uma objeção que já ouvi. E que é aplicável aos políticos, como aos magistrados, como aos gestores públicos, por exemplo.

Não tem razão de ser esta objeção. Mas não basta afirmá-lo, há que mostrar porquê.

Elenquemos alguns factos, formulemos algumas hipóteses (não propriamente impossíveis, mas de efetivação muito improvável, refira-se já, para que não haja dúvidas ou suspeitas infundadas) e coloquemos algumas questões.

O JPSetúbal é um empresário com muitos anos de experiência e lançou e manteve vários negócios e empresas. Ainda hoje, semirreformado, gere uma pequena empresa com relevância e repercussão pública no concelho onde reside. Suponhamos que decidia candidatar-se à autarquia onde reside e onde é conhecido e era eleito. Passava automaticamente à condição de político. Deveria, por tal facto, ser excluído da GLLP/GLRP?

O Rui Bandeira exerce há mais de três décadas, a profissão de advogado. É, pois, um jurista e advogado experiente. Suponhamos que decidia, e havia vaga para tal, dedicar os últimos anos da sua vida útil profissional colocando a sua experiência ao serviço da comunidade, no exercício da Magistratura. Seria esta opção razão bastante para dever deixar de integrar a GLLP/GLRP?

O José Ruah é um gestor experiente na área da saúde, tendo aprendido e executado como fazer o mesmo com menos meios e como obter mais com os meios disponíveis. A sua específica competência e capacidade, adquirida e apurada na gestão privada, fá-lo um alvo possível de recrutamento para gestor de unidade pública dessa área. Se isso sucedesse, deveria ele abandonar a GLLP/GLRP?

Parece evidente que, em qualquer dos três casos hipotizados a resposta deve ser negativa. Estes três maçons de muitos anos sempre trabalharam no setor privado e não seria o facto de, nas suas áreas, enveredarem pela causa pública que os faria deixar de serem quem são, os levaria a agir diferentemente da forma como atuaram toda a sua vida.

O político, o magistrado, o gestor público, eram-no, não por serem maçons, mas em resultado, na sequência do seu percurso de vida ao longo de dezenas de anos. E não se vê por que a sua coerência, em termos éticos, cultivada ao longo de dezenas de anos deveria ser afetada pela sua passagem do setor privado para a vida pública. Não é verdadeiro o ditado de que "a ocasião faz o ladrão" - a não ser que se considere que todos são ladrões, só o que faltará a muitos são as ocasiões, o que seria uma paupérrima conceção da Humanidade.

Quem resista à tentação do slogan, da demagogia, do sound bite, nas análises que faz, facilmente conclui que não é o facto de haver políticos, magistrados, gestores públicos numa Obediência Maçónica que é certo ou errado por si só, que gera condenável influência política, ou o que quer que seja.

O que importa não é quem está, o que faz profissionalmente quem integra a Obediência. O que importa é o objetivo com que cada um deles ali está. Se e quando está para se aperfeiçoar, para ser melhor e com isso agir melhor na sua vida profissional, tudo bem, é motivo de satisfação para a Obediência, é bom para ele, é melhor para a Sociedade. Se o objetivo é criar ou obter "sinergias" para alavancar as suas possibilidades na sua vida profissional ou social, para integrar projetos de influência, então tudo mal: o próprio terá a ilusão do Poder, porventura ascendendo mais alto, não por si, mas à sombra de algo exterior a si e, mais tarde ou mais cedo, à falta de valor próprio, cairá - e de quanto mais alto cair, mais doloroso será o trambolhão; a Obediência trai-se a si própria e, a longo prazo, como historicamente se viu, pagará, com juros, o preço de se imiscuir onde não deve; a Sociedade perde por ver a sua natural evolução ser perturbada e torcida.

É tudo uma questão de postura, de objetivo, de respeito pela natureza das instituições, afinal. Não é porque um cão mordeu que se devem abater todos os cães. O que se deve é ensinar os canídeos a refrearem os seus instintos.

A GLLP/GLRP, como todas as Obediências Regulares, não exclui políticos, magistrados, gestores públicos, etc., das suas fileiras. Têm o mesmo direito à melhoria, ao aperfeiçoamento, segundo o método maçónico, que todos os outros homens livres e de bons costumes e seria írrito discriminá-los.

Mas o que importa ter sempre presente - contra demagogos e mal-intencionados, mas também contra tentações, por muito vestidas de boas intenções que se apresentem - é que há uma caraterística fundamental na Maçonaria Regular: nela podem entrar políticos, mas não a Política; destina-se a formar todos os seus membros, incluindo os que sejam políticos, mas não forma políticas.

Entendendo-se isto, entende-se como deve ser natural e em que limites é saudável a interação entre a Maçonaria e o Poder!

Rui Bandeira

19 outubro 2011

Maçonaria e Poder (XIV)


Audiência do Presidente da República
a uma delegação da GLLP/GLRP

Este já longo conjunto de textos teve como objetivo mostrar, serenamente e com o máximo de objetividade que me foi possível, como, ao longo do tempo e em diversas latitudes, se processou o relacionamento entre o Poder e a Maçonaria. Espero que os de boa-fé (os outros não me interessam - ladrarão sempre à passagem da caravana...) tenham ficado com um pouco mais de informação que lhes permita enquadrar e ajuizar sempre que um qualquer político demagogo mande umas "bocas" sobre a a "atividade escondida" da Maçonaria ou um periódico sensacionalista decida vender algum papel ou conquistar uns pontos de audiência "desvendando" que A, B ou C é maçom, que D, E ou F se reúnem no local X, Y ou Z ou que G, H ou I pertencem a partidos diferentes e afinal são "Irmãos" da mesma Loja.

Desmontar a demagogia, desdenhar do sensacionalismo, não significa, não passa, não pode passar (sob pena de se trair os princípios que os maçons defendem) pela mentira ou por esconder o que quer que seja. Pode passar, e tem passado, por não se conceder importância às atoardas, demagogias ou simples exposição de verdades, meias-verdades e especulações inverídicas, com objetivos sensacionalistas, não se lhe dando a dignidade de uma resposta, primando pelo silêncio mais ensurdecedor possível. Tem sido esta a postura da Maçonaria, para o bem e para o mal, quase sempre prudentemente bem, aqui e acolá deixando medrar o mal da intriga, da insinuação, da descarada mentira demagógica.

Na minha opinião. a resposta adequada da Maçonaria deve passar também pelo esclarecimento, pela confiança na inteligência das pessoas, pela informação objetiva que permita aos de boa-fé formularem os seus juízos, sem ser apenas com base nas atoardas e nas tiradas demagógicas.

E isso passa por assumir a História da Maçonaria e o seu relacionamento com o Poder, no seu melhor e no seu pior; nos seus bons, como nos seus maus momentos. Foi o que procurei fazer ao longo desta série de textos.

A melhor forma de desmontar a demagogia e de relativizar sensacionalismos é, afinal, mostrar o que a Maçonaria é: uma instituição mais que tricentenária, com propósitos meritórios, com presença tendencialmente global, mas organizada em estruturas nacionais e núcleos independentes locais, que sociologicamente tem mais elementos pertencentes a estratos privilegiados ou relativamente confortáveis da sociedade do que dos estratos que vivem com dificuldades (só depois de se garantir adequadamente a subsistência e um mínimo de conforto, para si e para os seus, é que o homem está verdadeiramente disponível para algo para tantos tão abstrato como preocupar-se com o seu aperfeiçoamento moral e espiritual...) e que, como todas as instituições que atingem algum relevo social, obviamente que interage e influencia os atores do Poder e é influenciada por estes.

As recorrentes referências à pretensa influência escondida da Maçonaria sobre o Poder só podem ser por todos relativizadas se e quando se compreender que a Maçonaria tem precisamente (nem mais, nem menos) a mesma influência sobre o Poder (e que, correlativamente, é por ele influenciada) que têm as outras instituições de relevo na Sociedade.

O múnus de uma Igreja (de qualquer religião) é de natureza espiritual. Mas, assumindo as Igrejas, particularmente a Igreja hegemónica numa qualquer região, indiscutível relevo na sociedade em que se inserem, só por cândida ingenuidade se pode não se dar conta de que as Igrejas (ou, pelo menos, a Igreja hegemónica) exercem influência (que, por alheia ao seu objetivo principal, de natureza espiritual, se pode classificar de "escondida") sobre o Poder.

A razão de ser das Universidades é a investigação nos mais variados campos do Saber humano e a transmissão desse Saber. Mas alguém duvida que as Universidades, os professores universitários, influenciam decisivamente o Poder (seja em estudos, seja em conversas de gabinete, seja fornecendo pessoal político)? No entanto, o campo de atuação das Universidades é o Saber, não o Poder, pelo que as influências daquelas neste campo podem ser classificadas de "escondidas" ou "ínvias" ou "indevidas".

As instituições de solidariedade social são (e em tempos difíceis ainda mais) indispensáveis no apoio aos menos afortunados. Os Estados não conseguem, não podem (cada vez podem menos...) tudo fazer e, muitas vezes, a diferença entre o caos social e um mínimo de dignidade proporcionado a quem dificilmente sobrevive está na meritória ação das instituições de solidariedade social. Mas alguém que não seja incuravelmente ingénuo tem dúvidas que esse papel indispensável traz consigo alguma força de influência sobre os Estado e os seus atores?

A economia de um país depende de forma não negligenciável dos seus empreendedores, dos seus empresários, das suas estruturas financeiras, e do emprego e do desenvolvimento que possibilitam. Alguém duvida do poder de influência junto dos decisores políticos dos capitães de indústria e dos financeiros e das organizações em que se juntam?

Sem trabalhadores e o seu labor, não há produção, não há riqueza, não há sociedade viável. Alguém duvida que os sindicatos e as centrais sindicais influenciam o Poder? Claro que há épocas e épocas. Períodos em que os ventos sopram mais a favor dos sindicatos e períodos de refluxo. A vida é feita de ciclos e os ciclos a todos atingem.

E poderia continuar a dar exemplos de estruturas que influenciam o Poder, desde o desporto, à escola, aos artistas, às classes profissionais, à comunicação social, e por aí fora.

O Poder - felizmente ! - há muito que deixou de ser absoluto. Mas que ninguém seja ingénuo: mesmo quando o Poder era absoluto não deixava de ser influenciado por quem tinha capacidade e meios para exercer essa influência... Por maioria de razão, nas sociedades modernas, o Poder é exercido em resultado de um complexo sistema de influências cruzadas, opostas, conflituantes. Entre o projeto do governante, a sua convicção do que deve ser feito, e o que efetivamente é concretizado vai a distância do sonho à realidade, concretizando-se o que é possível, em cada momento, em face dos interesses - e respetiva força naquela ocasião - que, normalmente de uma forma surda, se digladiam junto do Poder.

A Maçonaria é uma instituição como as outras. E, como todas as outras, dá o seu contributo para a complexa teia social que influencia o exercício do Poder nas cada vez mais complexas sociedades modernas. Negá-lo seria estúpido. Afirmá-lo não tem nada de mais.

Esgrimir com a influência da Maçonaria (insinuando que nenhuma esta componente social deveria ter) é uma forma de mandar poeira para os olhos dos ingénuos. Todas as instituições sociais influenciam o Poder. E todas as influências são exercidas, por vezes publicamente e muitas mais vezes de forma reservada, resguardada, no silêncio e no conforto dos gabinetes - que ninguém se iluda!

A Maçonaria tem exatamente a quota-pare de influência que deve ter, que naturalmente cada instituição minimamente relevante na Sociedade tem. Nem mais, nem menos. Que influência? Em que sentido? Os valores que a Maçonaria defende, as suas divisas, são conhecidos: Liberdade, Igualdade, Fraternidade, Sabedoria, Força, Beleza. O nosso "negócio" é do campo da ética. Quem dera que todas as influências sobre o Poder se situassem neste campo...

Rui Bandeira

12 outubro 2011

Maçonaria e Poder (XIII)

Fernando Teixeira
Grão-Mestre Fundador da GLRP, hoje GLLP/GLRP

Em 25 de abril de 1974, um golpe militar pôs fim ao regime limitativo das liberdades públicas que vigorou em Portugal durante mais de quarenta anos. A proibição da Maçonaria deixou de vigorar. A sede do Grande Oriente Lusitano foi-lhe devolvida. Ficaram criadas as condições para o normal retomar da atividade maçónica em Portugal.

As perto de quatro décadas de proibição, porém, inevitavelmente causaram assinalável mossa. Restavam no país poucas dezenas de maçons, a maior parte de avançada idade. Praticamente, havia que recomeçar muito próximo do zero.

Quem restava para disseminar a Luz da Tradição maçónica era um misto de velhos republicanos e de políticos oposicionistas ao regime político derrubado. Lançaram-se ao trabalho de reimplantação da Maçonaria no país. Iniciações, rejuvenescimento, criação de novas Lojas, foram palavras de ordem essenciais. Em alguns anos, as poucas dezenas passaram a centenas, ultrapassaram o milhar. O GOL renasceu das cinzas!

Naturalmente que, estando na origem deste trabalho os maçons que restavam em 1974, quase todos ligados à atividade política, a base de recrutamento inicial foi constituída por pessoas intervenientes na Causa Pública. O GOL retomava, após o hiato forçado, as suas características de organização com forte influência política e nas políticas propostas para o país.

Mas o rápido crescimento não se circunscreveu a atores políticos. Os meios universitários, o empresariado, as profissões liberais, os meios sindicais, revelaram-se profícuos campos de recrutamento.

A diversidade de interesses e de experiências, aliada ao corte de mais de quarenta anos na vida maçónica normal, veio, a seu tempo, a gerar duas correntes no GOL.

Uma delas era constituída por pessoas com evidente interesse na Política e na sua prática. Representava, digamos, o GOL "tradicional", vindo da I República, com todas as suas qualidades e defeitos. Designadamente, a tendência para a intervenção organizada na atividade política.

Outra corrente, porém, se formou constituída por maçons que ganharam consciência de que, internacionalmente, a Maçonaria não era só - e não era principalmente - constituída pela corrente interventiva politicamente, na esteira do Grande Oriente de França, que a Maçonaria internacionalmente consagrada na maior parte do Mundo era a Maçonaria Regular, crente e não interveniente politicamente em termos coletivos. E esta segunda corrente aspirava à reintegração no seio da Maçonaria Regular internacional, o que implicava uma profunda mudança no GOL, o seu afastamento do GOF, a recusa de admissão de ateus e agnósticos, enfim, o abandono do campo da Maçonaria Liberal, ou Irregular, em favor do campo da Maçonaria Regular.

Na década de oitenta do século passado, esta corrente tinha já uma expressão no interior do GOL com peso suficiente para suportar candidaturas às eleições para Grão-Mestre - mas não maioritária, não suficiente para tornar vencedora uma sua candidatura.

Vistas as coisas com a objetividade que a distância temporal nos permite, a longa tradição de alinhamento pelas teses do GOF, a matriz de intervenção política que, de longa data, era já identitária do GOL, tornavam praticamente impossível a sua mudança de rumo para a Maçonaria Regular.

As clivagens entre as duas correntes foram-se sucedendo, aprofundando e agravando. Fernando Teixeira, que viria a ser o Grão-Mestre Fundador da Grande Loja Regular de Portugal, hoje GLLP/GLRP, referiu várias vezes, o desagrado com que ele e outros que viriam a cindir do GOL assistiam à discussão e tomada de decisões em Loja de assuntos referentes à política do país, deliberações destinadas a serem executadas pelos maçons em posições de governação ou de atividade política. Com particular indignação, várias vezes lhe ouvi dizer que chegou a haver reuniões de Loja dedicadas à elaboração da lista de Secretários de Estado do Governo prestes ou acabado de entrar em funções...

Poder-se-á porventura duvidar do que Fernando Teixeira disse, considerá-lo um exagero. Mas, em abono da sua informação e da efetiva utilização das reuniões de Loja para discutir e deliberar em matéria política, posso citar a seguinte passagem de uma entrevista dada ao Jornal do Centro e publicada em 23 de setembro de 2011 pelo anterior Grão-Mestre do GOL, António Reis (os destaques são meus):

Pergunta: Se, como defendem, os grandes desenvolvimentos da humanidade estão ligados aos maçons, de que forma têm a marca da maçonaria os desenvolvimentos de Portugal do pós 25 de Abril?
Resposta: Dou um exemplo concreto que tem a ver com a zona onde estamos, a região Centro do país. É o caso da Lei do Serviço Nacional de Saúde. É uma extraordinária Lei, que mudou completamente o panorama da Saúde em Portugal, principalmente no acesso que a ela tem a população. É da autoria de um grande maçon que me antecedeu no cargo de Grão-Mestre: António Arnaut, um homem de Coimbra. A Lei do Serviço Nacional de Saúde foi discutida na loja maçónica à qual pertencia António Arnaut e recebeu contributos dos irmãos daquela loja antes de ter sido apresentada e aprovada na Assembleia da República em 1979. O mesmo tinha acontecido 60 ou 70 anos antes com a famosa Lei de Separação entre a Igreja e o Estado, apresentada por Afonso Costa na Loja do Futuro, em Lisboa. Estes são casos concretos em que a Maçonaria interveio na vida política e na legislação do país.

Não está em causa a bondade da decisão (concordo em absoluto com o Serviço Nacional de Saúde, como concordo com a separação das Igrejas e do Estado, indispensável a uma sã e vera Liberdade Religiosa para todos). A clivagem havida teve e tem a ver com a prática, a forma, o meio utilizado: enquanto, para a Maçonaria Liberal, ou Irregular, é benéfico que a Maçonaria prepare, no seu seio, uma reforma política e diligencie pela sua aprovação e execução pelos órgãos de soberania, a Maçonaria Regular entende que os locais próprios para debater e preparar propostas políticas são os partidos, as associações cívicas, os fora políticos, não as Lojas maçónicas. Podem os maçons, se assim o entenderem, intervir politicamente, a título individual, nos fora, nos partidos, nas associações cívicas, que entenderem. O que não é admissível é que a própria instituição maçónica se transforme, ela própria, num espaço de intervenção e decisão política.

Esta clivagem veio a originar, na década de oitenta do século passado, a saída do GOL dos maçons que aspiravam à reintrodução da Maçonaria Regular em Portugal e subsequente constituição, em 29 de junho de 1991, da Grande Loja Regular de Portugal, hoje Grande Loja Legal de Portugal/GLRP.

Rui Bandeira

06 outubro 2011

Maçonaria e Poder (XII)


Sebastião de Magalhães Lima
Grão-Mestre do GOL entre 1907 e 1928
Membro do Diretório do Partido Republicano


Em 1877, consuma-se o cisma maçónico entre a Grande Loja Unida de Inglaterra e o Grande Oriente de França. O GOLU (Grande Oriente Lusitano Unido) já estava então claramente na órbita do Grande Oriente de França, com ele partilhando, quer em resultado das vicissitudes nacionais no século XIX, quer por via da influência da instituição francesa na portuguesa, as caraterísticas que demarcaram a postura do GOF e que este herdou dos valores saídos da Revolução Francesa: a laicidade, o anticlericalismo, o igualitarismo, o republicanismo.

A Maçonaria portuguesa, que anteriormente interviera em defesa do ideário liberal, a partir do último quartel do século XIX alinhou resolutamente na corrente da Maçonaria dita Irregular, em todas as suas vertentes, incluindo a do republicanismo.

A Monarquia Constitucional já não lhe era bastante. Cada vez mais maçons e cada vez mais a Maçonaria portuguesa, como um todo, se entendiam, laicos, anticlericais, igualitários e republicanos. Certamente que alguns, talvez ainda num número com algum significado, eram maçons sem serem republicanos. Mas seguramente que a muitos destes lhes era indiferente a questão do regime, ou seja, não eram propriamente partidários da República, vivendo sem desagrado em Monarquia, mas também não teriam problemas em viver numa República...

Se as fileiras da Maçonaria se distribuíam entre uma poderosa corrente republicana, uma massa de indiferentes quanto à questão do regime e uma minoria de monárquicos, as fileiras do Partido Republicano eram muito mais homogéneas: seria difícil encontrar um republicano, ou, pelo menos, um político republicano, que não fosse maçom...

Os eventos históricos são conhecidos: em 1908, o Regicídio, perpetrado por dois carbonários (mandando a verdade dizer que a Carbonária, extremista, diríamos hoje mesmo que terrorista, era uma organização diferente e separada e independente da Maçonaria, mas que alguns, e talvez não tão poucos como isso, carbonários eram simultaneamente maçons), dois anos depois a Revolução Republicana do 3-5 de outubro de 1910.

A Revolução Republicana foi levada a cabo por maçons e instaurou o ideário maçónico da época, na sua vertente influenciada pela corrente Irregular: instituições republicanas, com separação e divisão de poderes entre os vários órgãos do Poder, ideário a favor da Igualdade essencial dos cidadãos (partilhado com a corrente maçónica tradicional), um profundo e ativo anticlericalismo e um indefetível laicismo. Não admira, assim, que um dos primeiros atos do novo Poder tivesse sido a publicação da Lei da Separação entre a Igreja e o Estado e a respetiva execução.

Os políticos republicanos eram todos, ou quase, maçons. Não obstante esse traço de união, tal como sucedera com a vitória do Liberalismo, obtida a vitória da República, dividiram-se nos vários grupos políticos e nas várias fações que, desde as mais conservadoras às de tendências mais esquerdistas, conviviam - e se combatiam! - no seio do Partido hegemónico do Regime, o Partido Republicano, ou Democrático.

A Política executava o ideário maçónico dominante, a Maçonaria enquadrava os políticos. Durante o dia, os políticos atarefavam-se nos Ministérios, no Parlamento, nos Diretórios partidários. À noite reviam-se nas reuniões das Lojas! A I República foi o apogeu da Maçonaria - melhor dizendo, de uma certa conceção da Maçonaria - em Portugal. Foi o tempo em que mais intrincada e próxima foi a ligação entre a Maçonaria e o Poder, em Portugal.

De alguns tiques do Poder, da fama de influenciar ou dirigir o Poder, que nesse tempo foi justa, nunca mais, até hoje, a Maçonaria portuguesa se veio a livrar, só agora, lentamente, os mais esclarecidos, e apenas estes, começando a notar as diferenças entre as Maçonarias hoje existentes no País.

Mas a vida é feita de ciclos. O que hoje sobe triunfantemente os degraus do Poder, deles vai tombar amanhã. As ideias pujantes de uma geração são contestadas pela geração seguinte. Os desequilíbrios decorrentes de exercícios voluntaristas do Poder acumulam-se, com eles as tensões sociais e a força apelativa das ideias opostas, ou simplesmente diferentes, mas novas.

Dezasseis curtos anos levou a I República até evidenciar sinais de desgaste dificilmente ultrapassáveis, até os desequilíbrios económicos, as tensões sociais, os conflitos ideológicos e de poder resolvidos nas ruas, de armas na mão, inevitavelmente a conduzirem à sua queda.

O Poder militar interveio, levou à mudança de regime. Outra ideologia, bem mais conservadora, bem menos democrática, bem mais próxima da Igreja, ascendia e acedia ao Poder. Conservá-lo-ia por quase meio século.

Embora alguns dos militares que puseram fim à I República fossem maçons, a Maçonaria viria, inevitavelmente, a pagar - e bem caro pagou! - o preço do seu entrelaçamento com o Poder republicano. Menos de uma década se passou após o golpe militar de 28 de maio de 1926, para que, já sob a mão-de-ferro do novo titular do Poder, Oliveira Salazar, companheiro de juventude de um clérigo que durante décadas seria o Cardeal Patriarca de Lisboa, o Cardeal Cerejeira, toda a força do novo Poder se abatesse sobre a Maçonaria: em 21 de maio de 1935, é publicada a Lei n.º 1901, que ilegalizou e dissolveu juridicamente as chamadas Sociedades Secretas e as desapossou dos seus bens, entregando-os à Legião Portuguesa.

O GOL (já assim se denominava) passa à clandestinidade. A atividade maçónica quase que desaparece em Portugal. Apenas, crê-se, duas Lojas, uma em Lisboa, outra em Coimbra, não abateram nunca colunas durante o longo período de clandestinidade. Outras terão mantido atividade, mais que irregular, meramente esporádica, raramente reunindo formalmente, mantendo os seus membros contactos na vida profana.

Dezasseis anos de apogeu, quase quarenta anos de trevas - este o preço que a Maçonaria portuguesa, alinhada na corrente dita Irregular, pagou pela sua proximidade e imbricação com o Poder!

Fontes:

http://revolucaoemfranca.blogspot.com/2011/06/maconaria-e-revolucao.html (um texto notável, cuja leitura recomendo vivamente)
http://pt.wikipedia.org/wiki/Lei_n.%C2%BA_1901,_de_21_de_Maio_de_1935

Rui Bandeira

28 setembro 2011

Maçonaria e Poder (XI)


General Gomes Freire de Andrade

Em 1804, constituiu-se formalmente o Grande Oriente Lusitano. Foi seu primeiro Grão-Mestre o desembargador Sebastião José de São Paio de Melo e Castro Lusignan, neto do Marquês de Pombal. Também integrou o Grande Oriente o General Gomes Freire de Andrade. Sinal da sua já forte ligação ao Grand Orient de France é o facto de a sua primeira Constituição maçónica, de 1806, ter adotado o Rito Francês como rito oficial e exclusivo do Grande Oriente Lusitano. Outro sinal disso foi um episódio ocorrido após a entrada de Junot em Lisboa, em 1807: uma delegação do Grande Oriente Lusitano, encabeçada pelo irmão do Grão-Mestre, Luís de São Paio de Melo e Castro, foi cumprimentá-lo ao seu quartel-general. O entendimento entre o general invasor e os maçons, de influência francesa, foi tão grande, que (valha a verdade, com indignação de muitos maçons) chegou a ser proposta, numa Loja, a substituição do retrato do Príncipe Regente pelo do Imperador Napoleão e, mesmo, foi apresentada proposta para que Junot viesse a ser nomeado Grão-Mestre! Os simpatizantes da causa francesa foram, porém, longe de mais e a maioria dos maçons manifestou-se contra os invasores.

Rechaçada a invasão de Junot, novas Invasões Francesas, a segunda comandada pelo General Soult e a terceira pelo Marechal Massena, têm lugar. Acorre um corpo expedicionário inglês, integrando muitos maçons - ao ponto de ter tido lugar um desfile de militares britânicos maçons, com bandeiras e emblemas. A atenção da Inquisição centrou-se, de novo, na Maçonaria, tendo, em 1810, sido presos 30 maçons, sob a acusação de serem simpatizantes da causa francesa. O Duque de Sussex, filho de Jorge III (que viria, em 1813, a ser o último Grão-Mestre da Premier Grand Lodge e o primeiro Grão-Mestre da Grande Loja Unida de Inglaterra), intercederia pela sua libertação.

Após a expulsão das tropas francesas, ficou a dirigir o Exército português (e na regência de facto do país...) o Marechal Beresford, que favoreceu a atividade maçónica. Em 1812, só em Lisboa existiam 13 Lojas. Foi um breve período em que a Maçonaria portuguesa voltou a florescer ao abrigo da orientação inglesa.

Entretanto, Gomes Freire de Andrade, que integrara a "Legião Portuguesa" criada por Junot, que partira para França em 1808, sob o comando do Marquês de Alorna, e que participara na campanha da Rússia, regressou a Portugal e participou ativamente na contestação à suserania britânica. Eleito Grão-Mestre do Grande Oriente Lusitano em 1816, prepara, a partir do próprio GOL, uma insurreição contra Beresford. Em 25 de maio de 1817, é, juntamente com mais outros onze oficiais, preso, por denúncia de três outros maçons (três traidores, como na Lenda do 3.º grau...),
José Andrade Corvo de Camões, Morais de Sarmento e João de Sequeira Ferreira Soares, e posteriormente todos enforcados - Gomes Freire de Andrade em São Julião da Barra e os demais no Campo de Santana, hoje Campo dos Mártires da Pátria.

Na sequência destes factos, D. João VI promulga, do Brasil, um alvará régio declarando «criminosas e proibidas todas e quaisquer sociedades secretas, incorrendo os seus membros no crime de lesa-majestade, com as severas penalidades consequentes». A Maçonaria passa à clandestinidade!

A Revolução Liberal de 1820, no Porto, tem forte participação maçónica: integraram os conspiradores os maçons Manuel Fernandes Tomás, Desembargador da Relação do Porto, José Ferreira Borges, advogado, José da Silva Carvalho, advogado, João Ferreira Viana, Duarte Lessa, José Maria Lopes Carneiro, José Gonçalves dos Santos, João da Cunha Souto Maior e vários outros. Cunha Souto Maior e Silva Carvalho viriam, mais tarde, a ser Grão-Mestres do GOL.

Claro que, chegado o tempo da contra-revolução absolutista, os maçons iriam pagar o preço do seu envolvimento no Liberalismo. Em 1823, um novo édito de D. João VI condenava a atividade maçónica - de Pedreiros Livres, Carbonários e Comuneros - com o degredo de cinco anos em África e numa multa pecuniária de mais de cem mil reis para os cofres das obras pias e muitos maçons, juntamente com outros liberais, são presos em Peniche (não foi só no século XX que o Forte de Peniche serviu de masmorra para opositores políticos...). Uma pastoral do cardeal de Lisboa contra os maçons veio a originar o assassínio, pela plebe inflamada, de 17 maçons, entre os quais o Marquês de Loulé. O padre de Campo Maior proclamava: " Deve ser derramado em massa o sangue dos portugueses como antigamente o sangue dos judeus porque o infante jurou não embainhar a espada antes de resolver a situação com os maçons. Estou sequioso de banhar as minhas mãos de sangue". Em cumprimento de ordem nesse sentido do Grão-Mestre, as Lojas foram fechadas e a Maçonaria remeteu-se, de novo, à clandestinidade, salvo no bastião liberal da ilha Terceira.

D. Pedro IV - que fora nomeado Grão-Mestre da Maçonaria brasileira em 1822 - organiza, a partir da Terceira, uma força expedicionária liberal, que, sob o seu comando, desembarca no Mindelo em 1832 e se apodera do Porto. Embora cercadas nessa cidade, parte das tropas liberais reembarca nos navios que as trouxera dos Açores e desembarca no Algarve, marchando sobre Lisboa, sob o comando do Marechal Saldanha, tomando a capital em agosto de 1833.

D. Pedro IV é aclamado rei e as forças clericais não tardam a pagar o preço pelo seu alinhamento com o absolutismo e a sua perseguição aos maçons: os jesuítas são de imediato expulsos (de novo, após a primeira expulsão, decretada pelo Marquês de Pombal, posteriormente anulada após a saída deste do Poder), os padres e frades que haviam defendido a usurpação miguelista são punidos e, com a Convenção de Evoramonte (que formalizou o definitivo exílio de D. Miguel), em 1834, é suspensa a atividade de todas as Ordens Religiosas.

No plano maçónico, a confusão e a divisão grassava: os liberais exilados elegeram, nada mais, nada menos, do que dois Grão-Mestres: pelos expatriados em Inglaterra, José da Silva Carvalho; pelos acolhidos em França, o Duque de Saldanha. Regressados os liberais a Portugal, no Porto é eleito ainda um terceiro Grão-Mestre, Passos Manuel. Não há fome que não dê em fartura e, num ápice, passa haver três Grandes Orientes em Portugal, rivalizando entre si! Escreveu Borges Grainha que «nos ministérios consecutivos que D. Maria II chamou ao poder, em curtos intervalos, entrava, geralmente, algum Grão-Mestre desses Orientes, encontrando-se na Oposição os Grão-Mestres dos outros. O resultado era assim que havia Orientes e lojas ministeriais frente a Orientes e lojas oposicionistas».

Esta confusão ainda conseguiu aumentar mais, antes de tudo desaguar em reunificação, trinta anos depois. O Grande Oriente de José da Silva Carvalho adotou o nome de Grande Oriente de Portugal. Neste, seria, em 1840, por breve período, Grão-Mestre o ministro Costa Cabral. Tendo este sido substituído, em meados desse ano, pelo Visconde de Oliveira, Costa Cabral e os seus partidários afastam-se e criam a Grande Loja Portuguesa (e vão quatro!). Por seu turno, as organizações de Saldanha e de Passos Manuel reunificam-se na Confederação Maçónica (passa, de novo, a três!). Mas, entretanto, sob o malhete de Mendes Leal, forma-se o Grande Oriente Lusitano (passa a quatro!) e, dirigida por José Elias Garcia, cria-se a Federação Maçónica (e vão cinco!). A isto, há que juntar um Oriente do Rito Francês (contem seis!) e uma Grande Loja Provincial do Oriente Irlandês (chegamos a sete!). Mas não desesperemos: o Grande Oriente de Portugal, a Grande Loja Portuguesa, a Confederação Maçónica e a Federação Maçónica agrupam-se no Grande Oriente Português (ficam quatro!), este associa-se, em 1869, ao Grande Oriente Lusitano e ao Oriente do Rito Francês, constituindo o Grande Oriente Lusitano Unido e, três anos depois, este acolhe no seu seio a Grande Loja Provincial do Oriente Irlandês. Em 1872, está reunificada a Maçonaria Portuguesa, no Grande Oriente Lusitano Unido !

Os três primeiros quartéis do século XIX marcaram a ascensão, divisão e reunificação da Maçonaria em Portugal. Retrospetivamente, entendo poderem tirar-se algumas conclusões, que nos ajudam a elucidar os acontecimentos futuros:

1) Tendo como pano de fundo o conflito franco-britânico, vemos, num primeiro momento, desenvolverem-se em Portugal duas orientações maçónicas: a inglesa e a francesa, cada uma sob a proteção dos respetivos exércitos.

2) O Poder clerical alinha politicamente com o absolutismo e ambos reprimem a Maçonaria; a Maçonaria alinha ativamente pelo Liberalismo. Como consequência, acentua-se o anticlericalismo, quer nos Liberais, quer nos maçons.

3) As circunstâncias decorrentes da repressão absolutista e clerical fazem com que ambas as correntes maçónicas (francesa e inglesa) participem ativamente no campo liberal, muito cedo se impondo (independentemente da origem de cada tendência) a direta intervenção na luta política, não só dos maçons, como das organizações maçónicas, enquanto tal. Ou seja, o século XIX em Portugal marca a prevalência da interferência das organizações maçónicas na vida e nas lutas políticas, independentemente da origem "inglesa" ou "francesa" de cada maçom ou de cada Loja. Esta caraterística virá a perdurar indisputadamente por mais um século, em Portugal.

4) Com o triunfo do Liberalismo e a integração direta na área do Poder político dos maçons (que lutaram, de armas na mão, pela vitória desse ideal), surgem em poucos anos, várias divisões na Maçonaria. Foi o preço - quiçá inevitável - da direta interferência da Maçonaria na luta política, passando os maçons a dividirem-se segundo as suas clivagens políticas.

5) Os maçons laboriosamente conseguem reunificar-se e a Maçonaria portuguesa entra no último quartel do século XIX reunificada no Grande Oriente Lusitano Unido.

Então, esbatida já a controvérsia absolutismo-liberalismo, começava a esboçar-se a questão seguinte: Monarquia x República. A Maçonaria viria a posicionar-se nesta controvérsia com o efeito de duas caraterísticas que, a meu ver, explicam o seu papel nos eventos futuros: o hábito de intervir politicamente e o anticlericalismo que as perseguições clericais instalaram na sua matriz de pensamento. Para o bem e para o mal, estavam reunidos os elementos que levariam ao apogeu e queda da Maçonaria em Portugal, em escassos sessenta anos.

Fontes:

http://www.freemasons-freemasonry.com/arnaldoG.html http://pt.wikipedia.org/wiki/Gomes_Freire_de_Andrade http://213.58.158.155/NR/rdonlyres/5687C9BA-2CAD-45D8-9ACE-75DA5FB7E047/2999/Jos%C3%A9daSilvaCarvalho.pdf
http://www.gremiolusitano.eu/?page_id=37

Rui Bandeira

21 setembro 2011

Maçonaria e Poder (X)


A Maçonaria foi introduzida em Portugal, ainda na primeira metade do século XVIII. A primeira Loja de que há conhecimento foi a Loja que ficou conhecida como a dos "Hereges Mercadores", fundada por comerciantes britânicos, protestantes, ainda antes de 1730. Esta Loja foi, em 1735, inscrita no registo da Grande Loja de Londres (Premier Grand Lodge) sob o n.º 135 e, mais tarde, sob o n.º 120, tendo vindo a ser abatida ao quadro de Lojas daquela Grande Loja em 1755. Esta Loja, de orientação estritamente inglesa e Regular, nunca teve qualquer intervenção política e, mesmo após a condenação da Maçonaria por Clemente XII, em 1738, nunca foi incomodada pela Inquisição, certamente devido à nacionalidade dos seus obreiros.

A segunda Loja de que há conhecimento em Portugal foi a "Casa Real dos Pedreiros-Livres da Lusitânia", fundada em 1733. Agrupava predominantemente irlandeses, maioritariamente católicos. Eram essencialmente comerciantes, mas também havia marítimos, soldados, médicos, um estalajadeiro, um mestre de dança e três frades dominicanos. Veio a integrar-se nesta Loja o arquiteto húngaro Carlos Mardel, um dos principais responsáveis pelos projetos de reconstrução de Lisboa após o terramoto de 1755. Com a publicação da bula de Clemente XII condenando a Maçonaria, esta Loja dissolveu-se.

A terceira Loja conhecida em Portugal foi fundada em 1740 pelo lapidário de diamantes John Coustos, suíço naturalizado inglês, e agrupava cerca de trinta comerciantes e lapidários franceses, ingleses, um belga, um holandês, um italiano e três portugueses, maioritariamente católicos (John Coustos, o Venerável, era, porém, protestante). Denunciada esta Loja à Inquisição em 1743, os seus obreiros foram presos, torturados e condenados. Os seus principais elementos foram condenados às galés. Os portugueses foram, pura e simplesmente, executados. Por pressão de Jorge II de Inglaterra, John Coustos e os seus companheiros acabaram por ser libertados, em 1744, sob condição de abandonarem o país. John Coustos, já em Inglaterra, veio a publicar um livro que viria a ter alguma notoriedade na Europa desse tempo, The Sufferings of John Coustos for Freemasonry and for His Refusing to Turn Roman Catholic in the Inquisition (Os sofrimentos de John Coustos na Inquisição pela Maçonaria e pela sua recusa de se converter ao catolicismo). A Loja ficou, obviamente, extinta, com a intervenção da Inquisição.

Só depois do terramoto, consolidado o poder do Marquês de Pombal, expulsos os jesuítas e fortemente limitado o poder clerical, voltou a haver condições para a atividade maçónica em solo português. Em 1763 havia em Lisboa uma Loja de orientação inglesa e, crê-se, uma Loja francesa e uma terceira, mista de militares e civis. Em 1768, fundou-se uma Loja no Funchal. Porém, com a morte de D. José I e o afastamento do poder do Marquês de Pombal, regressaram as perseguições. Em 1791, havia Lojas maçónicas em Lisboa, Porto, Coimbra, Valença, Funchal e nos Açores, mas as fortes perseguições inquisitoriais em 1791 e 1792 desmantelaram, pela segunda vez, a Maçonaria em terras lusas.

Só com o desembarque em Portugal, em 1797, de um corpo expedicionário inglês, se voltaram a reunir condições para o restabelecimento da atividade maçónica em Portugal, existindo, no ano seguinte, quatro Lojas de orientação inglesa em Lisboa, três de militares e uma mista de militares e civis, incluindo portugueses. Estas Lojas tiveram, no registo da Premier Grand Lodge, os números 94, 112, 179 e 315. Esta última veio, mais tarde, a ser a Loja n.º 1 dos registos portugueses, com o nome de "União".

Ao abrigo do poder militar inglês, novas Lojas se foram formando, adquirindo a condição de maçons nomes ilustres da intelectualidade portuguesa da época.: abade Correia da Serra, Filinto Elísio, Ribeiro Sanches, Avelar Brotero, Domingos Vandelli, José Anastácio da Cunha, José Liberato Freire de Carvalho, Domingos Sequeira.

Desta primeira fase da introdução da Maçonaria em Portugal, em três tempos, podem tirar-se algumas conclusões significativas:

1) Até ao início do século XIX, a atividade maçónica em Portugal foi, essencialmente, de orientação inglesa, segundo as regras da Maçonaria mais tarde denominada de Regular, não interferindo, nem procurando interferir, na coisa pública.

2) A grande oposição à Maçonaria em Portugal proveio do Poder religioso, pela mão da Inquisição.

3) Quando o Poder político ou o Poder militar (de forças externas) limitaram o Poder clerical, a Maçonaria reflorescia.

Estes factos, aliados aos sucessos da Revolução Francesa e à posterior presença de forças expedicionárias napoleónicas em Portugal, vieram a refletir-se na evolução futura da Maçonaria lusitana, em especial na sua relação com o Poder: se inicialmente a Maçonaria de orientação Regular e não interventiva no Poder foi perseguida e desmantelada, só conseguindo reaparecer à sombra do Poder, civil ou militar, que limitava o Poder clerical, então haveria que, sobretudo, garantir que o Poder clerical não voltasse a ser tão forte que pudesse, de novo, pôr em causa a atividade maçónica, se necessário intervindo de forma a favorecer o Poder político que tal garantisse.

Vinham aí as guerras napoleónicas, a suserania inglesa e a Guerra Civil entre Absolutistas e Liberais. A Maçonaria em Portugal ia atravessar todo esse período de instabilidade. E, paulatina e insensivelmente, ia derivar da orientação Regular para a intervenção política, aproximar-se intimamente do Grand Orient de France, vindo a culminar no anticlericalismo que foi marca da I República.

Ironicamente, este percurso foi, em grande parte, motivado pela interferência do Poder religioso, que impediu a natural e livre implantação da Maçonaria Regular. As perseguições das Inquisição lavraram o terreno onde germinaria a Maçonaria Irregular, ou Liberal, em Portugal. Dois séculos viriam a decorrer até à institucionalização da Maçonaria Regular em terras lusas.

Fontes:

http://www.gremiolusitano.eu/?page_id=28

http://en.wikipedia.org/wiki/John_Coustos

Rui Bandeira

15 setembro 2011

Maçonaria e Poder (IX)


A introdução da Maçonaria em França correu através da classe nobre e contemporaneamente à Guerra Civil em Inglaterra. Os apoiantes dos Stuarts exilaram-se em França e aí organizavam-se procurando recolocar no trono o rei deposto ou os seus descendentes. Conforme já referi em Origem e primórdios do Rito Escocês Antigo e Aceite - o Discurso do Chevalier Ramsay, a própria génese do Rito Escocês Antigo e Aceite ocorre em França e no ambiente privilegiado da nobreza, isto é, no âmago do Poder, no tempo do Ancien Régime.

Devido à clivagem entre Antigos e Modernos, em Inglaterra, às rivalidades políticas resultantes da Guerra Civil inglesa e suas sequelas e à diferente vivência ritual existente nos dois países - em Inglaterra, praticando-se apenas o ritual da Craft, que ainda hoje permanece, designadamente no rito de Emulação; em França, criando-se e desenvolvendo-se outros rituais, designadamente o que viria a fixar-se como o do Rito Escocês Antigo e Aceite -, desde cedo existiu alguma rivalidade e alguns desencontros entre a Maçonaria inglesa, então Premier Grand Lodge, a Grande Loja dos Modernos, e a Maçonaria francesa (primeiro numa espúria Grande Loja de França, depois com o Grand Orient de France.

Os tempos da Revolução Francesa encontraram a Maçonaria desse país fortemente dividida, em termos de classes. Segundo um estudo de Estêvão de Rezende Martins (Quem Fez a Revolução Francesa, Revista Humanitas, vol. 7, n.º 2, p. 168), em maio de 1789 havia 200 deputados maçons nos Estados Gerais, pertencendo 79 destes à nobreza e distribuindo-se os restantes 121 pelo clero (sim, pelo clero católico!) e pela alta e média burguesia.

Napoleão Bonaparte utilizou conscientemente a maçonaria como instrumento político. Embora se tenha afirmado que ele próprio foi iniciado maçom em 1798, na ilha de Malta, não existem provas conclusivas de tal. No entanto, não existe dúvida de que quatro dos seus irmãos (José, que viria a ser rei de Espanha, Luís, que reinou na Holanda, Luciano, príncipe de Cannino e Jerónimo, rei da Westfalia) foram maçons. Também o foram o cunhado de Napoleão, Murat, e o enteado, Eugène de Beauharnais. E igualmente foram maçons 22 dos seus Marechais. José Bonaparte assumiu as funções de Grão-Mestre do Grand Orient, enquanto que Luís Bonaparte dirigiu a estrutura do Rito Escocês. Em dezembro de 1804, o Grand Orient anexou o Rito Escocês e a maçonaria francesa ficou sob a direção de José Bonaparte.

A invasão napoleónica da Península Ibérica foi efetuada com muitos militares maçons integrando as forças invasoras. A primeira loja maçónica criada pelos invasores napoleónicos na Península Ibérica foi a de San Sebastián, em 18 de julho de 1809. Seguiram-se outras em Vitória, Saragoça, Barcelona, Girona, Figueras, Talavera de la Reina, Santoñas, Santander, Salamanca, Sevilha e, naturalmente, Madrid, onde se instalou (em local que fora da Inquisição...) a Grande Loja Nacional de Espanha.

Em Portugal, e a título de exemplo, Gomes Freire de Andrade, que integrou o exército napoleónico em campanhas um pouco por toda a Europa, foi maçom e viria a ser Grão-Mestre do Grande Oriente de Portugal.

A Maçonaria francesa comprometeu-se fortemente na Revolução, adotando a sua divisa Liberdade-Igualdade-Fraternidade - que, ainda hoje, permanece, e justamente, como uma das divisas da Maçonaria.

Porém, em França, a Maçonaria não se limitou a ver elementos seus intervirem politicamente. Como um todo, enquanto instituição, a Maçonaria comprometeu-se com a Revolução, em prol dos ideais de Liberdade, de Igualdade, de Fraternidade, lema que a II República Francesa consagrou, em substituição do original revolucionário Liberdade, Igualdade ou Morte. Ao contrário da Maçonaria inglesa - e de todas as Obediências que hoje integram o universo da Maçonaria Regular, o Grand Orient não se limitou a criar as condições para que os seus membros individualmente se aperfeiçoassem e, assim, por essa via do aperfeiçoamento individual de cada vez mais, se lograsse o aperfeiçoamento da sociedade. Empenhou-se diretamente na transformação da Sociedade. Embora o empenhamento dos maçons franceses tivesse como escopo ideais nobres, como indubitavelmente são os da Liberdade, da Igualdade, da Fraternidade, da Democracia, o método, a forma, de proceder era já diferente do método e do procedimento ancestral maçónico.

Não admira, assim, que as divergências entre a Premier Grand Lodge e o Grand Orient se acentuassem. Até que uma decisão da Obediência francesa, a aceitação de ateus como maçons, veio a ditar a inevitável separação, pois a Maçonaria de tipo inglês não concebe que a qualidade de crente não seja condição necessária para se ser admitido maçom.

Consumou-se assim a separação em dois ramos daquilo que ainda hoje é, genericamente, conhecido apenas por Maçonaria: a Maçonaria Regular, de orientação inglesa, crente, que trabalha à Glória do Grande Arquiteto do Universo e sem intervenção institucional na Política, deixando ao critério de cada um dos seus membros a decisão de intervir, ou não, politicamente, pela forma que entender e inserindo-se na organização política que escolher, sendo proibida qualquer controvérsia política ou religiosa no seu seio; e a Maçonaria seguidora do percurso do Grand Orient de France, dita irregular, ou liberal, que não exige que os seus membros sejam crentes e que admite a intervenção política organizada dos maçons, em prol dos ideais de melhoria da sociedade que defende.

É esta dicotomia que a maior parte das pessoas que não conhecem a história e a evolução da Maçonaria não entende. Não há hoje uma Maçonaria, mas duas. Do antigo tronco comum, existe agora a Maçonaria Regular, crente e não interventiva politicamente, e a Maçonaria Liberal, que admite não crentes e a intervenção política enquanto instituição.

A Maçonaria Regular reconhece o Poder político vigente em cada sociedade e insere-se na mesma de acordo com a legislação vigente: onde legalmente for proibida a Maçonaria, a Maçonaria Regular não está presente. Destina-se a, dentro da legalidade, proporcionar aos seus elementos um meio, um método, um ambiente, uma cultura, que possibilite o aperfeiçoamento de cada um, para que cada qual, melhor, atue na sociedade e, por essa via, gradualmente, esta melhore também.

A Maçonaria Liberal procura estabelecer e garantir os ideiais que professa (e que são indubitavelmente corretos: Liberdade, Igualdade, Fraternidade, Democracia) nas sociedades onde atua. Se possível, agindo e inserindo-se legalmente nesta, e nela intervindo politicamente, para além do mais; mas, onde e quando necessário, lutando pela instauração dos valores que defende.

Nenhuma destas Maçonarias é, intrinsecamente, melhor ou pior do que a outra. São, apenas, diferentes. Uns - como os maçons da Loja Mestre Affonso Domingues - inserir-se-ão naturalmente na Maçonaria Regular, por entenderem ser a que melhor lhes convém. Outros preferirão juntar-se à Maçonaria Liberal.

Em termos de relacionamento com o Poder, naturalmente que a Maçonaria Regular tem um posicionamento mais distante, como qualquer outra instituição de cariz não político, enquanto que a Maçonaria Liberal assume a sua vocação de lutadora por valores essenciais e abertura à intervenção política.

Pode haver elementos do Poder tanto na Maçonaria Regular como na Maçonaria Liberal. Mas só os elementos da Maçonaria Liberal podem ser elementos da Maçonaria no seio do Poder. Esta distinção é essencial que seja feita.

Fontes:

http://www.samauma.biz/site/portal/conteudo/opiniao/ap00208revolucaofranc.htm
https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgJ8eR97dQuzOc717i1PxqautX_BEkKU5G8Huqfq0o4W9CQgFV5QaQcX8P0F73IQO5-0uFD7keDrN2IMrb8TD2QMw9ohRN0Hek5uvdsbKP4zLgqpDK-TK1YuxLXZJkg4MrUEiLq/s1600/N1.JPG
http://blogdamaconaria.blogspot.com/2008/05/liberdade-igualdade-fraternidade.html

Rui Bandeira

07 setembro 2011

Maçonaria e Poder (VIII)


Prince Hall

Nunca a Maçonaria americana, até hoje, teve uma organização central nacional. Em cada Estado existe uma Grande Loja, soberana maçonicamente nesse Estado, independente e igual das restantes Grandes Lojas. É um reflexo e consequência da grande autonomia de cada Loja, conforme hábito adquirido desde os tempos da colonização do território norte-americano.

Não existe, assim, um Poder maçónico federal, correspondente ao Poder federal americano. Cada Grande Loja atua ao nível do seu Estado - e é tudo. E cada Grande Loja não interfere nas competências e atribuições das outras Grandes Lojas. Para o bem e para o mal!

A independência recíproca das Grandes Lojas e das Lojas americanas quase sempre impediu posições consensuais em relação às grandes questões políticas americanas. Aquando da Guerra Civil americana, as Grandes Lojas estaduais alinhavam-se pelos respetivos Estados. Houve combatentes em ambos os lados da barricada. Albert Pike, um proeminente maçom, autor de uma obra de referência sobre o Rito Escocês Antigo e Aceite, foi um general confederado. No Norte, Abraham Lincoln e Ulysses S. Grant, foram também maçons.

Também na questão racial, a Maçonaria americana institucionalmente não teve - e ainda não tem - uma posição comum. Nos Estados Unidos, a maçonaria foi fundada e implantada por colonos brancos. Durante muito tempo, negros (não apenas os escravos que, logo, não eram homens livres nas suas pessoas) não eram admitidos nas Lojas.

No entanto, já em 6 de março de 1775, antes da Independência americana, Prince Hall, um negro livre, abolicionista e ativista dos direitos civis, e outros 14 homens também negros tinham sido iniciados na britânica Military Lodge, n.º 441. Após a saída do exército britânico de Boston, em 1776, aos maçons negros foi concedida uma dispensa maçónica para operações limitadas como a Loja Africana, n.º 1. Tinham o direito de reunir-se como uma Loja, para participar na procissão maçónica no dia de S. João, e para enterrar os seus mortos com os ritos maçónicos, mas não para conferir graus ou executar outras funções maçónicas. A Grande Loja de Massachussets nunca reconheceu esta Loja, a qual, porém, veio a receber uma carta-patente da Grande Loja Unida de Inglaterra, como sua Loja Africana, n.º 459, emitida em 1784, mas só recebida em 1787.

As Lojas e Grandes Lojas americanas continuavam a não admitir negros nas suas fileiras. Com efeito, devido à vigente regra da unanimidade para novas admissões, bastava um voto contra para impedir a admissão de um candidato. Bastava um elemento racista (que, ainda por cima, não era possível identificar, pois as votações processam-se por voto secreto) para impedir a admissão de um negro, por muito valoroso ou, mesmo, proeminente que ele fosse.

A Loja Africana passou a receber insistentes pedidos de negros para estabelecer lojas filiadas nas respetivas cidades e, conforme os usos da época, serviu de Loja-mãe a novas Lojas de negros em Filadélfia, Providence e Nova Iorque.

Com o tempo, estabeleceram-se lojas Prince Hall qiase em todos os Estados Unidos e constituíram-se Grandes Lojas Prince Hall em 41 Estados (mais Washington DC) daquele país. Não é conhecida a existência de qualquer Loja Prince Hall no Estado de Vermont e, nos oito Estados restantes (Idaho, Maine, Montana, New Hampshire, North Dakota, South Dakota, Utah e Wyoming), as Lojas Prince Hall aí existentes dependem de Grandes Lojas Prince Hall de outros Estados. Porém, até à última década do século passado, as Grandes Lojas mainstream, isto é, as Grandes Lojas tradicionais, constituídas quase exclusivamente por brancos, não reconheciam as suas congéneres Prince Hall, as Grandes Lojas constituídas quase (mas não exclusivamente) por homens negros (ou, como o "politicamente correto" de hoje manda que se diga nos Estados Unidos, por afro-americanos). Desde então, finalmente, pelo menos 41 das 51 Grandes Lojas mainstream reconheceram as suas congéneres Prince Hall nos respetivos Estados (e também algumas ou todas dos outros Estados), tendo também havido entretanto um adicional conjunto de reconhecimentos blanket, isto é, Grandes Lojas reconhecendo todas as Grandes Lojas Prince Hall que tenham sido reconhecidas por outra Grande Loja mainstream. Apenas algumas (10) Grandes Lojas de Estados do Sul resistem ao reconhecimento das suas congéneres Prince Hall.

Esta situação deriva do princípio da independência de cada Grande Loja estadual. Precisamente porque não existe um poder maçónico federal, mas apenas Grandes Lojas Estaduais, independentes entre si, nenhuma Grande Loja se pode imiscuir nos assuntos internos das outras. Daí que o anacronismo de um serôdio racismo ainda imperando em alguns Estados do Sul dos Estados Unidos ainda permaneça. Mas, se a independência de cada Grande Loja possibilita este anacronismo, também a força da censura e do exemplo das restantes vai fazendo o seu caminho: paulatinamente o número das Grandes Lojas que resistem ao reconhecimento das suas congéneres Prince Hall vai diminuindo e espero que não esteja distanmte o dia em que o anacronismo cesse de vez.

Num país ainda não inteiramente liberto do aguilhão do racismo, em que a eleição do seu primeiro Presidente negro (ou afro-americano...) foi um evento para muitos impensável, a Maçonaria comunga das virtudes e dos defeitos das sociedades em que se insere.

Fontes:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Prince_Hall
http://sosml68.weebly.com/prince-hall-recognition.html
http://bessel.org/glspha.htm
http://bessel.org/masrec/phachart.htm

Rui Bandeira

31 agosto 2011

Maçonaria e Poder (VII)


Illinois Masonic Medical Center, Chicago

A implantação e evolução da Maçonaria americana seguiu linhas muito próprias, diferentes do que sucedeu no resto do mundo. O imenso continente foi sendo povoado de leste para oeste, em localidades distantes umas das outras e cada uma autossuficiente. Em cada localidade com alguma importância (e mesmo em algumas de reduzida importância...) estabeleceu-se pelo menos uma Loja maçónica, que geralmente tinha como membros os elementos mais destacados dessa sociedade: o juiz, o médico, o banqueiro, os principais comerciantes, etc.).

Em cada povoação, a Loja maçónica integrava a rede social ali existente, fazia parte da vida da comunidade. Cedo começou a perfilar-se o que viria a ser uma importante caraterística da Maçonaria americana: a sua vertente filantrópica. Em termos espirituais muito influenciados pelo puritanismo, para a mentalidade americana é muito importante o conceito de charity (que, no meu entendimento, mais corretamente se traduz por filantropia do que pelo aparentemente mais direto termo caridade). A Loja maçónica local foi naturalmente um espaço e uma estrutura adequados para o exercício do dever de filantropia.

A importância dada pela Maçonaria americana à filantropia, elevando-a a polo essencial da sua atividade, distingue-a da Maçonaria continental europeia, em que a filantropia é uma vertente presente, mas não atinge o nível de essencialidade da sua congénere americana.

A Maçonaria americana criou e sustenta grandes hospitais (gerais, pediátricos, ortopédicos, de assistência a grandes queimados, etc.), o que, como se calcula, implica a reunião e disponibilização de grandes quantidades de fundos financeiros.

Isto implicou a necessidade constante de fluxos financeiros apreciáveis, quer através de donativos, quer através de fundos obtidos pela própria atividade maçónica. Mais do que propriamente as quotas (destinadas ao suporte das despesas das próprias Lojas), importante eram e são os fundos obtidos através do que (algo impropriamente, mas mais facilmente compreensível por todos) poderemos designar por joias: joias de iniciação, de passagem de grau, de acesso e progressão nos Altos Graus.

A atividade filantrópica da Maçonaria americana em grande parte foi e é sustentada por um constante fluxo de novos elementos e de contribuições extraordinárias dos elementos existentes.

Necessário foi - e é - iniciar novos membros em quantidade e assegurar a sua progressão em novos graus como forma de financiar a atividade filantrópica.

Isso levou a uma outra caraterística distintiva da Maçonaria americana, em relação às suas congéneres europeias: a existência de muitas Lojas com várias centenas de membros, mas das quais apenas uns poucos são membros efetivamente ativos.

Nos Estados Unidos, em grande parte ser-se maçom é ser-se inscrito na Maçonaria, fazer uma espécie de "recruta" e a modos que umas "especialidades", atingindo-se o topo dos Altos Graus, ou perto disso, com uma rapidez impensável na Europa (mas pagando as respetivas joias de iniciação e progressão, claro...) e depois ... é assim, mal comparado, como que ser-se sócio da Associação dos Bombeiros da terra: paga-se as quotas anuais e raramente (ou nunca) se vai à Loja. Mas, no entanto, por regra existe o orgulho em ser maçom, expresso em autocolantes colados nos automóveis, no uso do anel de Mestre, ao menos em ocasiões festivas, e na comparência nos regulares eventos de angariação de fundos.

Claro que a Maçonaria americana não tem só esta vertente filantrópica, também compartilha dos princípios e objetivos de formação e aperfeiçoamento dos seus membros que é tónica da Maçonaria mundial - mas esta vertente filantrópica é ali de tal forma importante que influenciou a forma de a sociedade ver e participar na Maçonaria.

A Maçonaria americana, apesar de ter contado com membros ilustres nos Pais Fundadores dos Estados Unidos não tem qualquer intervenção no Poder ou na política federal, não tem influência relevante (que ultrapasse a decorrente de garantir a subsistência de importantes estruturas e instituições de interesse coletivo) a nível estadual e, a nível local, terá apenas a influência que os seus membros individualmente tenham.

A Maçonaria americana e o Poder naquele país são completamente independentes um do outro.

Rui Bandeira

24 agosto 2011

Maçonaria e Poder (VI)



Um dos primeiros destinos de exportação da Maçonaria foram as colónias britânicas no Novo Mundo. A colonização do imenso espaço que hoje são os Estados Unidos da América estava ainda na sua fase inicial, praticamente confinada à costa leste e a pouco mais, com colónias separadas por grandes distâncias e evidentes dificuldades de comunicação - mas cedo as Lojas maçónicas se começaram a implantar ali!

A Loja maçónica era mais um fator de congregação, um elemento importado da terra de origem que confortava quem desenvolvia e explorava um Novo Mundo. Nelas se juntavam os grandes e pequenos proprietários de terras, militares, professores e outros intelectuais. Enfim, a Loja maçónica era a reprodução, na colónia, de instituição existente na terra de origem de cada um. Nas Lojas maçónicas das colónias juntava-se a elite dos colonizadores.

O conflito entre as colónias do Novo Mundo e a Coroa Britânica que iria redundar na Independência dos Estados Unidos da América começou a desenvolverse em torno de razões económicas e comerciais, mas teve larga influência de maçons. A gota de água foi o imposto sobre o chá. Em 16 de dezembro de 1773, colonos americanos lançaram às águas do porto de Boston a carga de chá de três navios britânicos. Esta ação, que ficou conhecida por Boston Tea Party, foi planeada e organizada na Green Dragon Tavern, também conhecida por... Freemasons' Arms.

Dos 56 signatários da Declaração de Independência, 9 eram confirmadamente maçons. É possível que até mais dez dos outros também o tenham sido. Trinta e três dos setenta e quatro generais do exército continental (independentista) eram maçons. George Washington, o Comandante em Chefe das tropas colomiais e o primeiro Presidente da novel nação era maçom, como o eram Benjamin Franklin, Paul Revere e o General Lafayette, o oficial de ligação francês nas colónias, sem cuja ajuda possivelmente os independentistas teriam perdido a guerra. Dos cinco redatores do projeto da Declaração de Independência, dois (Franklin e Robert Livingston) eram maçons e um terceiro (Robert Sherman) pode tê-lo sido, mas não há de tal confirmação inequívoca. George Washington prestou juramento como primeiro Presidente dos Estados Unidos da América perante Robert Livingston, Chanceler de Nova Iorque, o mais alto cargo de magistratura então existente e... Grão-Mestre da Loja Maçónica de Nova Iorque. A Bíblia sobre a qual Washington prestou juramento era a utilizada na sua própria Loja como Volume da Lei Sagrada.

Os princípios enformadores da organização política e social norte-americana têm fortíssima inspiração maçónica. Liberdade - Igualdade - Fraternidade, governo do Povo, pelo Povo, para o Povo, o respeito pelas liberdades fundamentais, incluindo obviamente a liberdade de religião, o princípio da separação de poderes, tudo isso são temas caros à Maçonaria.

Os maçons americanos deram a sua colaboração, juntamente com outros ilustres cidadãos que prezavam a liberdade e a democracia, para o estabelecimento das regras definidoras da atuação do Poder político da novel nação. É o caso que conheço de maior influência maçónica no Poder político.

Convenhamos que - independentemente de ideologias e de preferências por sistemas de governo - não fizeram, de todo, um mau trabalho!

Fontes:



Rui Bandeira