Mostrar mensagens com a etiqueta Marretas. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Marretas. Mostrar todas as mensagens

22 janeiro 2014

Saber parar


Um dos desafios mais difíceis para um homem ativo é saber parar. Uma das coisas mais descuradas por quem está habituado a assumir responsabilidades é a preparação para a cessação da assunção dessas mesmas responsabilidades. Quem está habituado a fazer tem tendência para alimentar a ilusão de que o seu contributo é imprescindível. Pessoalmente, procuro combater essa tendência lembrando-me frequentemente que o cemitério está cheio de insubstituíveis - e, no entanto, o mundo continua a girar, o Sol continua a nascer todas as manhãs no Oriente e a pôr-se todas as tardes no Ocidente, o mundo e as sociedades prosseguem imperturbavelmente os seus destinos, apesar de os insubstituíveis terem sido substituídos...

Este alerta mental é válido também para uma Loja maçónica. Uma das piores coisas que pode acontecer a uma Loja maçónica é haver elementos que, qualquer que seja ou tenha sido a sua valia ou importância, se considerem insubstituíveis, necessários, procurando exaustivamente influenciar ou determinar o que na Loja se decide, se projeta, se faz - como se nada se possa de jeito fazer sem que o trigo seja cultivado na sua terra, a farinha moída em seu moinho e o pão cozido no seu forno - embora gostem que haja semeadores para lançar o trigo à sua terra, moleiros para fazer funcionar o seu moinho e padeiros para colocar o seu pão dentro do seu forno e de lá o retirar... Uma Loja subordinada a quem não consegue deixar de nela impor a sua vontade perde inevitavelmente qualidade, capacidade de evolução, criatividade e capacidade de execução.

É por estarmos alerta em relação a isso que o José Ruah e eu, já em conversa de há cerca de três anos, assentámos em que teríamos de estar atentos ao momento em que fosse asado irmo-nos discretamente afastando da influência nos destinos da Loja, de modo a não sufocarmos esta na sua evolução, deixando que a nossa contribuição passada seja isso mesmo, Passado, e favorecendo a evolução futura nas mãos de gente tão ou mais bem preparada do que nós.

As circunstâncias têm feito com que, nos últimos três anos, a nossa intenção ainda não pudesse passar disso: num ano fui chamado a desempenhar funções no Quadro de Oficiais, no seguinte foi o Ruah, agora sou novamente eu. A contribuição de quadros da Mestre Affonso Domingues para outras Lojas obrigou a que não nos pudéssemos afastar sem auxiliar na reconstituição de uma massa crítica de Mestres, em número e qualidade suficientes para que a Loja não precise de nós coisíssima nenhuma. Mas estamos ambos atentos à chegada desse inevitável momento em que devemos iniciar o nosso processo de reforma - para não corrermos o risco de passarmos a ser peso onde antes procurámos ser motor.

Essa foi uma das razões pelas quais no final da última sessão, o Zé e eu olhámos um para o outro com um ar de enorme satisfação - quais dois gatos gordos deitados em frente à lareira, lambendo os beiços após lauta refeição. Claro que um dos motivos foi a satisfação de termos colaborado numa sessão da Loja particularmente bem sucedida, como referi no meu texto anterior. Mas também porque sentimos que o momento em que nos vamos tornar desnecessários está iniludivelmente mais próximo. Não será porventura já para amanhã (pelo menos até ao fim do ano eu tenho ofício a executar), mas a Loja está a atingir um nível comparável aos seus melhores tempos, reconstituiu (e ainda não terminou o processo) o seu Quadro de Mestres e dispõe agora de um confortável número de jovens e qualificados Mestres, tem as colunas de Aprendizes e Companheiros preenchidas por gente capaz e tem candidatos que bateram à porta e aguardam a sua vez de ser atendidos (alguns já há bastante tempo - não estão esquecidos...). Se nada suceder em contrário, se o quadro de obreiros agora se mantiver estabilizado por, pelo menos, dois ou três anos, não tenho dúvidas de que não só o Zé e eu já não faremos falta nenhuma, como deveremos afastar-nos dos centros de decisão da Loja, de forma a não pearmos a normal evolução dela com as nossas recordações de tempos passados. A experiência é benéfica, mas para enquadrar a força e o empenho da juventude e a capacidade da maturidade, não para as subjugar ou limitar...  

Parece-me assim que se aproxima a passos largos o momento em que o Zé e eu deveremos de vez deixar o exercício de Ofícios no Quadro (enfim, uma vez por outra, para substituir alguém, se não houver mais ninguém disponível, pode ser - mas sem abusar...) e, sobretudo, guardarmos para nós as nossas apreciações, para que mais fluidamente se expressem as opiniões e mais livremente se tomem as decisões pela nova geração da Loja. É esta a lei da vida. É assim que os grupos e as sociedades evoluem, cada geração assumindo as rédeas no momento asado.

Então e finalmente o Zé e eu poderemos assumir total e completamente o nosso papel de  Marretas, assistindo ao que se passa do nosso camarote, caturrando sobre o que vemos ser feito e resistindo a reconhecer que o que então estiver a ser feito é tão ou mais bem feito do que nós alguma vez fizemos...

Rui Bandeira

Subscrito por mim  José Ruah