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07 maio 2018

Republicação: A Queda da Grande Loja da Harmónica Utopia



Foi há quase dois anos (em 9 de maio de 2016) que este texto foi pela primeira vez publicado no A Partir Pedra. Como, na GLLP/GLRP, estamos de novo em período eleitoral, com o inevitável cortejo de promessas de perfeição, juras de sublimidade, compromissos de primor, acho oportuna a sua republicação aqui e agora.

Aqui vai: 

Mão amiga fez-me chegar o texto do pequeno conto que seguidamente publico. Este texto terá sido encontrado num pequeno e velho cofre que ganhava pó num sótão, dentro de um sobrescrito em cujo exterior estava rabiscado: PARA LER E DAR A LER EM PERÍODOS DE ESCOLHAS.

Na GLLP/ GLRP, entramos em período de eleição do Grão-Mestre para o próximo biénio. É a altura de ler e dar a ler este pequeno conto!

A Queda da Grande Loja da Harmónica Utopia 

A Harmónica Utopia era um lugar - bem, não foi nunca um lugar porque na verdade não existiu... - onde tudo acontecia de forma ideal.

Todos eram amigos, não havia infracções, os meninos e meninas eram todos excelentes alunos, não havia pobreza (nem mesmo a de espirito – bem, desta talvez houvesse...), nem fome, nem opressão, nem …

Tamanha perfeição era também timbre dos maçons da Grande Loja da Harmónica Utopia. Todos tinham já burilado as suas asperezas e imperfeições. Mais um pouco, muito pouco, e seriam todos “Grandes Arquitetos do Universo”!

Esse pouco era mesmo só o prescindir da disciplina (não fazia falta), da Justiça (porque não havia infrações que não se solucionassem com um abraço e uma conversa), da gestão (os anjos podiam fazê-lo em outsourcing), e, como tudo era ideal, não era preciso pagar quotas. 

Decidiu-se passar a assim proceder.

A partir de então, na Grande Loja da Harmónica Utopia, o Grão-Mestre não precisava de poder. Também para que precisaria disso, se os Irmãos eram todos tão cumpridores? Aliás, era sabido que o Grão-Mestre, quando deixasse o cargo, passaria a usar o titulo de Antigo Grande Arquiteto...

Um dia um homem malvado, talvez o único que ainda restasse, conseguiu disseminar a ideia que a Harmónica Utopia era isso mesmo, uma Utopia - e de repente o sonho acabou.

A Grande Loja da Harmónica Utopia também não resistiu e colapsou. O cobrador do fraque apareceu à porta, parece que queria receber. O Grão-Mestre ainda tentou uma conversa e um convencimento e uma solução harmoniosa, mas não foi suficiente! Então alguém com memória lembrou-se da “estória do grande alicate”.

Parece que no passado, quando ainda não se estava no máximo da Harmónica Utopia, o cobrador da electricidade veio cobrar umas contas atrasadas e que lhe contaram que era precisa a assinatura do Grande Tesoureiro e do Grande Secretário e do Grande ….. e que se ele fizesse o favor de passar na semana seguinte já haveria cheque. O homem lá fez isso e quando chegou, uma semana depois, lá lhe foi dito que já havia a assinatura do Grande e do outro Grande mas que o Grande estava no estrangeiro e que talvez na semana seguinte. O dito cobrador terá então retorquido: “não há qualquer problema, vou ali ao carro buscar o Grande Alicate e corto já a electricidade”.

E quando o Grão-Mestre quis saber como estavam a gestão e as contas e as listas de obreiros e os procedimentos, tudo estava entregue aos anjos do outsourcing e estes não tinham responsabilidade pois só trabalhavam com o que lhes era dado - e fazia dois anos que não lhes davam documentos (embora nunca o tivessem reportado e tivessem sempre recebido o seu cheque...).

E assim acabou a Harmónica Utopia e a sua Grande Loja.

 Felizmente que esta fábula não passa de um sonho. Ou será pesadelo?


Como não gosto de me enfeitar com penas de pavão, garanto que este texto não é de minha autoria. Aliás, nem sequer tenho qualquer jeito para a ficção. Mas subscrevo-o na íntegra. 

Prezo muito a Harmonia - mas não pode haver harmonia sem disciplina, sob pena de ocorrer rapidamente a degradação numa anárquica aparência de organização, em que os mais "fortes", ou os mais "espertos", ou os mais "próximos" mandam e põem e dispõem e os restantes... harmonizam!

Prezo muito a Tolerância. Mas Tolerância não implica não haver Justiça e não serem sancionadas as condutas que violem as obrigações assumidas e as normas vigentes. Até por uma questão de Igualdade entre todos: se uns quantos podem infringir diretamente as normas e - em nome de uma alegada "Harmonia" e de uma enviesada "Tolerância" - não verem punidas as suas condutas, por que razão os demais haveriam de cumprir as normas? Nesse caso, cada um faria o que entendesse, quando entendesse, pela forma que entendesse, segundo o seu livre alvedrio e ao arrepio das normas e das decisões de quem foi eleito para as tomar e alegremente se caminharia rumo à Grande Loja da Harmónica e Tolerante... Anarquia.

Invocar como argumentos eleitorais a prevalência da Harmonia sobre a Disciplina e da Tolerância sobre a Justiça não tem sentido. Afinal, uma Grande Loja é uma Obediência Maçónica - não uma Desobediência...

Cada um pensa por si e decide por si. Mas eu, quando vejo certas posições, lembro-me sempre de um excerto de uma velha canção de Lena d´Água (letra e música de Luís Pedro Fonseca):

Demagogia feita à maneira
É como queijo numa ratoeira

P’ra levar a água ao seu moinho
Têm nas mãos uma lata descomunal
Prometem muito pão e vinho
Quando abre a caça eleitoral
Desde que se vêem no poleiro
São atacados de amnésia total

Disse!

Rui Bandeira

09 maio 2016

A Queda da Grande Loja da Harmónica Utopia - um pequeno conto



Mão amiga fez-me chegar o texto do pequeno conto que seguidamente publico. Este texto terá sido encontrado num pequeno e velho cofre que ganhava pó num sótão, dentro de um sobrescrito em cujo exterior estava rabiscado: PARA LER E DAR A LER EM PERÍODOS DE ESCOLHAS.

Na GLLP/ GLRP, entramos em período de eleição do Grão-Mestre para o próximo biénio. É a altura de ler e dar a ler este pequeno conto!

A Queda da Grande Loja da Harmónica Utopia 
A Harmónica Utopia era um lugar - bem, não foi nunca um lugar porque na verdade não existiu... - onde tudo acontecia de forma ideal.

Todos eram amigos, não havia infracções, os meninos e meninas eram todos excelentes alunos, não havia pobreza (nem mesmo a de espirito – bem, desta talvez houvesse...), nem fome, nem opressão, nem …

Tamanha perfeição era também timbre dos maçons da Grande Loja da Harmónica Utopia. Todos tinham já burilado as suas asperezas e imperfeições. Mais um pouco, muito pouco, e seriam todos “Grandes Arquitetos do Universo”!

Esse pouco era mesmo só o prescindir da disciplina (não fazia falta), da Justiça (porque não havia infrações que não se solucionassem com um abraço e uma conversa), da gestão (os anjos podiam fazê-lo em outsourcing), e, como tudo era ideal, não era preciso pagar quotas. 

Decidiu-se passar a assim proceder.

A partir de então, na Grande Loja da Harmónica Utopia, o Grão-Mestre não precisava de poder. Também para que precisaria disso, se os Irmãos eram todos tão cumpridores? Aliás, era sabido que o Grão-Mestre, quando deixasse o cargo, passaria a usar o titulo de Antigo Grande Arquiteto...

Um dia um homem malvado, talvez o único que ainda restasse, conseguiu disseminar a ideia que a Harmónica Utopia era isso mesmo, uma Utopia - e de repente o sonho acabou.

A Grande Loja da Harmónica Utopia também não resistiu e colapsou. O cobrador do fraque apareceu à porta, parece que queria receber. O Grão-Mestre ainda tentou uma conversa e um convencimento e uma solução harmoniosa, mas não foi suficiente! Então alguém com memória lembrou-se da “estória do grande alicate”.

Parece que no passado, quando ainda não se estava no máximo da Harmónica Utopia, o cobrador da electricidade veio cobrar umas contas atrasadas e que lhe contaram que era precisa a assinatura do Grande Tesoureiro e do Grande Secretário e do Grande ….. e que se ele fizesse o favor de passar na semana seguinte já haveria cheque. O homem lá fez isso e quando chegou, uma semana depois, lá lhe foi dito que já havia a assinatura do Grande e do outro Grande mas que o Grande estava no estrangeiro e que talvez na semana seguinte. O dito cobrador terá então retorquido: “não há qualquer problema, vou ali ao carro buscar o Grande Alicate e corto já a electricidade”.

E quando o Grão-Mestre quis saber como estavam a gestão e as contas e as listas de obreiros e os procedimentos, tudo estava entregue aos anjos do outsourcing e estes não tinham responsabilidade pois só trabalhavam com o que lhes era dado - e fazia dois anos que não lhes davam documentos (embora nunca o tivessem reportado e tivessem sempre recebido o seu cheque...).

E assim acabou a Harmónica Utopia e a sua Grande Loja.

 Felizmente que esta fábula não passa de um sonho. Ou será pesadelo?


Como não gosto de me enfeitar com penas de pavão, garanto que este texto não é de minha autoria. Aliás, nem sequer tenho qualquer jeito para a ficção. Mas subscrevo-o na íntegra. 

Prezo muito a Harmonia - mas não pode haver harmonia sem disciplina, sob pena de ocorrer rapidamente a degradação numa anárquica aparência de organização, em que os mais "fortes", ou os mais "espertos", ou os mais "próximos" mandam e põem e dispõem e os restantes... harmonizam!

Prezo muito a Tolerância. Mas Tolerância não implica não haver Justiça e não serem sancionadas as condutas que violem as obrigações assumidas e as normas vigentes. Até por uma questão de Igualdade entre todos: se uns quantos podem infringir diretamente as normas e - em nome de uma alegada "Harmonia" e de uma enviesada "Tolerância" - não verem punidas as suas condutas, por que razão os demais haveriam de cumprir as normas? Nesse caso, cada um faria o que entendesse, quando entendesse, pela forma que entendesse, segundo o seu livre alvedrio e ao arrepio das normas e das decisões de quem foi eleito para as tomar e alegremente se caminharia rumo à Grande Loja da Harmónica e Tolerante... Anarquia.

Invocar como argumentos eleitorais a prevalência da Harmonia sobre a Disciplina e da Tolerância sobre a Justiça não tem sentido. Afinal, uma Grande Loja é uma Obediência Maçónica - não uma Desobediência...

Cada um pensa por si e decide por si. Mas eu, quando vejo certas posições, lembro-me sempre de um excerto de uma velha canção de Lena d´Água (letra e música de Luís Pedro Fonseca):

Demagogia feita à maneira
É como queijo numa ratoeira

P’ra levar a água ao seu moinho
Têm nas mãos uma lata descomunal
Prometem muito pão e vinho
Quando abre a caça eleitoral
Desde que se vêem no poleiro
São atacados de amnésia total

Disse!

Rui Bandeira

02 abril 2014

Harmonia


Os maçons prezam a Harmonia na Loja. 

Esta frase é consensual. Mas será que todos dão o mesmo significado à palavra Harmonia? Em que consiste realmente a Harmonia da Loja? Quando se pode dizer que uma Loja está em Harmonia? 

A Harmonia da Loja não é unanimidade. Nem sequer consenso (estes dois conceitos não são sinónimos; o consenso resulta sempre de uma concertação de posições, à partida, necessariamente com algumas diferenças; a unanimidade não resulta necessariamente desse esforço; a unanimidade pode surgir sem que se faça nada por ela; o consenso resulta sempre de  trabalho, busca). Pode - e é comum que isso suceda - haver divergências, desacordos, sem que se quebre a Harmonia da Loja. Tudo depende de como as posições diferentes são expostas, encaradas e, sobretudo, trabalhadas pelo grupo. Superar desacordos, integrar diferenças, compatibilizar divergências reforça a Harmonia da Loja. Assim sendo, há mais Harmonia numa Loja em que as divergências se expõem, se aceitam e se trabalham no sentido da superação do que noutra em que o unanimismo impere sempre. Mesmo que na primeira por vezes subsistam divergências, embora porventura atenuadas ou, pelo menos, globalmente compreendidas na sua origem e motivos. Direi mesmo que a Loja em que impere o unanimismo tende a estiolar. Porque o unanimismo não é natural em nenhuma sociedade humana. Porque a sua persistente existência revela afinal medo da assunção de diferenças. Pelo contrário, a Loja que se habitua a conviver naturalmente com as diferenças, divergências desacordos, a tolerar (é o termo!) a sua existência e a trabalhar na sua superação, na medida do possível, essa sim, trabalha em Harmonia. Porque ali se cultiva o respeito pelo pensamento do outro - sempre. Porque ali a diferença não gera confronto, luta, azedume. Conduz à cooperação ente iguais com entendimentos diferentes, no sentido de discernir semelhanças e diferenças, lobrigar o que é essencial e o que é meramente acessório na posição de cada um, verificar como é possível compatibilizar pontos de vista diferentes. E chegar à melhor solução possível para todos. Porque ali se trabalham as diferentes razões individuais na busca da Razão Coletiva. E de cada vez que se consegue fica-se mais forte. E quando não se consegue não é por isso que se fica mais fraco.

A Harmonia da Loja não é ausência de discussão. É discussão, debate, sérios, honestos, respeitadores das posições e da dignidade de cada um e de todos.

A Harmonia da Loja não é a obediência cega e acrítica a quem manda. Também não é o questionamento sistemático das decisões de quem viu confiado pelo coletivo, mais do que o poder, o encargo - por vezes, o fardo - de decidir. A Harmonia da Loja resulta do debate de tudo até se decidir com o contributo de todos e implica o respeito do decidido por todos. Não são todos obrigados a executar o decidido, pois há que respeitar os desacordos não superados. Mas todos necessariamente renunciam a obstaculizar o que se decidiu. Em termos simples, quem discorda pode não fazer. Mas não deve fazer diferente ou o contrário.

Tal como na música a Harmonia não está nem na ausência de som, nem no mesmo som, está na compatibilização de forma agradável de sons diferentes, também a Harmonia da Loja não resulta da ausência de divergências, na renúncia ou impossibilidade de discussão. Resulta da tolerância das diferenças, da cooperação na integração das divergências, da superação participada dos desacordos.

Portanto, que nunca se pense que discordar quebra a Harmonia da Loja. O que quebra a Harmonia da Loja é o impedimento da expressão das discordâncias. Porque só mediante essa expressão, só perante a aceitação do direito de discordar, só mediante a naturalidade da análise das divergências é possível construir, avançar, fortalecer a Loja.

Na Loja Mestre Affonso Domingues, tudo se debate, todas as discordâncias são expressas e analisadas e trabalhadas, no processo permanente de chegar às melhores soluções possíveis. Por vezes, o debate é aceso, os confrontos são duros. Mas o que se acendem são as opiniões de Irmãos, o que se confrontam são as suas ideias. No final de cada debate, tomada a decisão, por muito que se tenha discutido, debatido, cada um fica com as suas ideias (quantas vezes modificadas, melhoradas, evoluídas, na sequência do debate e do confronto com as outras e diferentes ideias!) - mas todos ficam com a conclusão a que se chegar como sendo a melhor possível para o coletivo naquele momento e naquelas condições. E todos se juntam em descontraída conversa e agradável ágape. Todos sabendo que porventura em ocasião próxima haverá outro debate, em que não raro os que naquele dia se confrontaram com ideias diferentes se baterão juntos pela mesma posição...

Sempre assim foi nesta Loja. Foi assim que superou a sua maior crise, com insanável, na altura, desacordo de caminhos a seguir, com a maior Harmonia que alguma vez vi e que procurei descrever no texto O fim da infância.  

É assim que hoje superamos as dificuldades que surgem. Com muito debate, franco, leal, aberto, duro, sempre que necessário, esteja quem estiver connosco na ocasião. Sem vergonhas e sem cuidados com a imagem. E se alguém menos avisado alguma vez tentar aproveitar o que possa julgar ser fratura de alguma divergência, rapidamente ficará desenganado! Porque as nossas "fraturas" são muito "móveis", de consolidação extremamente rápida e de cicatrização fácil e sem deixar marcas! Afinal de contas estamos tão habituados a discutir e debater uns com os outros que estou em crer que se aborrecia de morte quem saísse daqui!!!!

Na Loja Mestre Affonso Domingues não existiu nunca unanimismo e a unanimidade só aparece por acaso. O que persistentemente se busca e frequentemente se atinge são consensos! Às vezes após discussões épicas. Sempre tolerando a existência de diferenças e divergências. Sempre sabendo que o acordo, para existir, necessita de prévio desacordo e persistente debate na sua superação. 

E isto, meus caros, isto é que é verdadeiramente uma Loja em Harmonia!

Rui Bandeira