15 setembro 2010

Altos Graus


A formação de um maçom está formalmente concluída logo que concluída a cerimónia pela qual ele é elevado ao 3.º grau e assume a qualidade de Mestre Maçom. Todos os "segredos" lhe estão transmitidos, todas as "lições" lhe estão dadas, o método maçónico de evolução é-lhe conhecido. A partir desse momento, o Mestre Maçom é um Aprendiz que aprende o que tem de aprender, como pretende, segundo as suas prioridades e preferências. Acabou a sua aprendizagem e tem a sua "carta de condução". Mas aprender o quê? Tudo o que lhe foi exposto, apresentado, mostrado. Todos os símbolos, rituais, ornamentos, textos, que lhe foram fornecidos ao longo da sua formação. Não que tenha de saber esses textos de cor. Mas porque todos esses elementos são pistas, sinais, caminhos abertos à sua individual exploração.

Onde conduzem esses caminhos? Ao interior de si próprio! À interiorização das virtudes e normas de comportamento e princípios que devem reger a conduta de um homem bom e justo e que procura aproximar-se o mais possível do conceito de homem perfeito. Porquê? Porque crê que é esse trabalho, esse esforço, esse objetivo, o verdadeiro significado da vida, a razão de ser da nossa existência, porque o nosso caráter, o nosso espírito, a nossa alma (chame-se-lhe o que se quiser) necessita desse esforço, desse reforço, desse aperfeiçoamento, para evoluir e passar adiante (chame-se-lhe Ressurreição, ou Glória, ou Paraíso, ou Nirvana, ou o que se quiser). Complementarmente à sua crença religiosa e em reforço e desenvolvimento desta, o maçom procura assim descortinar o inescrutável, entrever o sentido da vida e o Plano do Criador, cumprir a sua vocação.

Em bom rigor, para o fazer segundo o método maçónico não necessita de mais ferramentas do que as que lhe foram dadas ao longo da sua instrução como Aprendiz e Companheiro e na sua exaltação a Mestre. Elas chegam, está lá tudo o que é necessário para que o homem bom que um dia bateu à porta do Templo se torne um homem melhor, um pouco melhor em cada dia que passa, um tudo nada melhor do que no dia anterior e um não sei quê pior do que no dia seguinte.

Para esse trabalho fazer, basta-lhe atentar e meditar e trabalhar nos conceitos e lições que recebeu, explorar a miríade de símbolos e chamadas de atenção com que se deparou. E tirar de cada meditação, de cada exploração, de cada esclarecimento, a respetiva lição e - mais e sobretudo - aplicá-la na sua conduta de vida. O Mestre Maçom tem tudo o que necessita para o seu trabalho e a obrigação de ensinar os que se lhe seguem - cedo descobrindo que será também ensinando que ele próprio aprende...

Mas alguns Mestres Maçons sentiam-se insatisfeitos, desconfortáveis. Até à sua exaltação, tinham tido um guião, uma cartilha, mentores, que auxiliavam o seu percurso. E, de repente, ainda inseguros, ainda tateando o seu caminho, os seus Irmãos largavam-nos ao caminho e diziam-lhes: "aí tens tudo o que precisas de ter para fazer o teu caminho! Procura, lê , estuda, medita, tenta, acerta, erra, quando errares volta atrás e tenta de novo até acertares." Não haveria maneira de guiar ainda o seu trabalho? Não de os conduzir, mas de fornecer como que um mapa, um guia, que facilitasse a sua tarefa? Tudo bem que tudo o que havia a explorar e aprender já lá estava no que lhe fora ensinado. Mas as alegorias têm de ser decifradas, os significados encontrados... É certo que o trabalho tem de ser individual mas... precisa absolutamente de ser tão solitário? Está certo que cada Mestre Maçom deve procurar a sua Luz e, para o fazer, tem de se abalançar ele próprio a atravessar a escuridão mas... não se pode dar-lhe nem uns fosforozitos, nem uma velinhas, para ajudar a alumiar o caminho?

Cedo se chegou à conclusão que sim, que se podia. Que, embora cada um tivesse os meios de explorar o seu caminho, não havia mal nenhum em proporcionar a quem o quisesse um mapa, um guia, um roteiro, que desenvolvesse, paulatinamente, patamar a patamar, as noções que já estavam disponíveis para serem desenvolvidas, mas que não havia mal nenhum se o fossem através de um roteiro bem organizado.

E assim se desenvolveu aquilo a que hoje se chama Altos Graus. Nas derivas do Romantismo, muitos sistemas de altos Graus foram desenvolvidos. De alguns deles ainda restam resquícios, tentativas de manutenção. Outros entretanto desapareceram. No mundo maçónico, nos dias de hoje, predominam dois sistemas de Altos Graus, do Rito Escocês Antigo e Aceite e do Rito de York. Outros são também praticados: do Rito Escocês Retificado, por exemplo.

Mas não se engane ninguém: ao percorrer qualquer desses sistemas (ou mais do que um), não se sobe, não se fica mais alto, mais poderoso, superior. Ao percorrer cada um dos sistemas de Altos Graus está-se a utilizar um guia de auxílio no nosso caminho individual. Cada grau não é um patamar. É uma viagem de descoberta e estudo. E o grau seguinte não é um patamar superior. É apenas outra viagem de descoberta e estudo. De que se volta para de novo partir, seja para reestudar a mesma lição, para reestudar lição anterior, ou para explorar nova lição. E, a todo o momento, o Mestre Maçom pode decidir fazer nova viagem segundo o seu roteiro (e tomar novo grau) ou explorar por sua conta própria. Ou fazer ambas as coisas...

A Maçonaria é um caminho de conhecimento, iluminação e aperfeiçoamento. Que cada um percorre como quer. Às vezes com roteiro. Às vezes sem guia. Uns de uma maneira. Outros de outra. Nem sequer, bem vistas as coisas, o mais importante é o destino. Importante, importante mesmo, é afinal a viagem e o que se retém dela!

Rui Bandeira

13 comentários:

Jocelino Neto disse...

Mestre Rui,

Sugere-se no texto (interpretação minha) que o conhecimento maçônico ultrapassa o grau de mestrado, e que o saber amealhado até esse patamar bastaria para compreendê-lo.

Diante às insatisfações desse aprendizado, surgem os altos graus como lumes que conduzem didaticamente o peregrino ao auto conhecimento. São pois, sistemas dentro do sistema.

Desse ponto de vista seria correto afirmar que haveria mestres (os que desejavam especializar-se) para os mestres (os que possuíam os esclarecimentos devidos)? Parte dessa complementaridade se daria pelo Sagrado Arco Real?

Em uma pesquisa superficial (wikipedia) surge como rito primordial o de Heredom (ou seria "O" original o ritual de emulação?) seguido pelo Escocês, que deriva para o retificado, surgindo posteriormente o de York, e uma miríade de tantos outros com características mais ou menos particulares (pois possuem pontos de congruência com seus congêneres). Tais idiossincrasias me parecem senão, derivativos culturais deste conhecimento maçônico maior (seria esse inefável? inescrutável?). Como escolher diante de tantas opções?
Se é escolhido?

Um movimento que tenho percebido (percepção rudimentar, quiçá pueril) é a ascensão do rito de York diante os demais. O que se pode interpretar se esse avanço for afirmado? Sendo a interface da maçonaria norte-americana, tal qual sua característica expansão econômica imperialista, estaria ampliando seus domínios?

Teorias conspiratórias a parte, desde já agradeço a possibilidade
de participar e aguardo seus comentários.

Abraços Fraternos,

jpa disse...

Penso que não parando no Grau de Mestre e continuando estudando os Altos Graus, o aperfeiçoamento individual será sempre diferente para melhor.
Mas esta é a minha modesta opinião.
Acredito que por esse mundo fora, haja também aqueles que pretendam ser coleccionadores de "Altos Graus".

Aproveito para agradecer ao Mestre Rui Bandeira mais este maravilhoso texto.

Cumprimentos
JPA

Rui Bandeira disse...

@ Jocelino Neto:
Antes do mais,uma advertência: todos os meus textos correspondem à minha visão pessoal das matérias a que respeitam. Não tenho pretensão de que ilustrem "a" visão correta; são apenas o resultado do meu entendimento, no momento em que os escrevo, das respetivas matérias. Nem sequer os considero definitivos. Estão, todos e sempre, sujeitos a melhor reflexão.
Tendo isto presente, considero que, para o desenvolvimento de um maçom, é relativamente indiferente escolher a via dos Altos Graus ou do trabalho e meditação pessoais fora dos respetivos "guias".
F entre os sistemas dos Altos Graus, o Arco Real será o primário, o desenvolvimento do sistema "original" anglossaxónico.
Do ponto de vista histórico, a pesquisa na Wikipedia afigura-se correta. Do ponto de vista do desenvolvimento propiciado pelo Romantismo, o REAA será o mais completo vigente (se considerarmos o Rito de Memphis-Misraim, que, no entanto, aqui e ali tem tentativas de ressurgimento, como residual). O Rito Escocês Retificado corresponde, no meu entender, a uma conceção crística, quiçá correspondendo ao entendimento teísta original herdado da Maçonaria Operativa, no meu entender limitativo emface da evolução que admite as conceções deístas.
Na minha opinião, é relativamente indiferente a opção por qualquer dos sistemas de Altos Graus, a opção por mais de um ou por nenhum. Cada um deverá optar pela situação que mais se adeque às suas caraterísticas pessoais.
Em Maçonaria, não há imperialismos: cada um optra por si e todas as opções são igualmenterespeitáveis.
Não podemos dizer que é melhor maçom, mais evoluído, o que opta pelo Arco >Real, ou o que escolhe o REAA, ou o RER ou seguir a via do aperfeiçoamento sem "guião" dos Altos Graus.
Não há caminhos ceros. Há caminhos diversificados. cada um seguirá o que melhor se lhe adequar - ou mais do que um.

Rui Bandeira disse...

@ jpa:

Quer do texto, quer do meu comentário antrior, concluirá que divirjo do seu entendimento.
A minha experiência pessoal foi ter seguido os Altos Graus do REAA até ao seu topo, o grau 32.ª (o grau 33.º é meramente honorífico) e, no entanto, depois _ talvez pelas circunstâncias em que recebi esses Altos Graus do REAA, em período de implantação dos mesmos em Portugal -,concluí que, para mim (e só por mim falo<), seria mais útil prosseguir a minha busca sem guião.
Mas, caro jpa, não há, no meu entender, uma resposta "certa2. Cada um tem o seu caminho e esse é o certo para ele.

Jocelino Neto disse...

Mestre Rui Bandeira,

Para melhor entedimento, será possível contextualizar essa passagem?:

"Do ponto de vista do desenvolvimento propiciado pelo Romantismo, o REAA será o mais completo vigente (se considerarmos o Rito de Memphis-Misraim, que, no entanto, aqui e ali tem tentativas de ressurgimento, como residual)."

Quando comenta Romantismo trata-se do movimento artístico (político, filosófico)? Sendo esta a visão, porque o REAA é o mais completo?

Agradeço-lhe a consideração.

Abraços Fraternos!

Nuno Raimundo disse...

Boas Rui...

o Rui fez um comentário em relação ao REAA que me sucutou uma certa curiosidade.
Se o grau 33º é meramente honorífico, qual a necessidade do mesmo existir?
Passo explicar melhor, se ele apenas distingue "alguns" por algo, porque não lhes ser atríbuida uma "comenda" ou algum título do genero?
Será "mais fácil" atribuir um grau, visto que se trata de uma "escadaria gradual e gradativa" a subir? :)

abr...prof...

Nuno Raimundo disse...

Quis dizer "suscitou".
Peço desculpa pelo lapso :)

Rui Bandeira disse...

@ Jocelino Neto:

Quando refiro "Romantismo", refiro-me à época histórica em que este movimento artístico floresceu, não propriamente ao movimento.
Tal como a referida época foi propícia ao desenvolvimento da estética romântica, foi propícia ao aparecimento e florescimento de muitos ritos e sistemas de Altos Graus, a maior parte de duração efémera. Era a ânsia da criação e da fantasia aplicada à maçonaria...
Considero o REAA o mais completo apenas no sentido de "o mais extenso",com mais lições, porque com mais graus (excetuando o "exagero" dos 90 graus do Rito de Memphis-Misraim). Com efeito, quer o sistema de Altos Graus do Rito de York, quer o do RER, têm um número de graus bastante maus reduzido.
Mas, em termos de substância, são equiparáveis. Está lá tudo, em todos - como já está tudo já na Maçonaria azul...

Rui Bandeira disse...

@ Nuno Raimundo:

Não há efetivamente necessidade substancial. O grau nada ensina de novo, nada desenvolve, nada acrescenta, em termos de lição, ao sistema. Por isso o declarei honorífico.
Poderia, ralvez, dizer melhor "administrativo", no sentido em que a ele ascenderia quem integraria o Supremo Conselho do REAA.
Mas também essa distinção não é correta. Por exemplo, nos EUA, 10% dos mais de um milhão de maçons que detêm o grau 32.º do REAA vêem ser-lhesconferido o grau 33.º, sem que a isso corresponda qualquer responsabilidade ou atribuição especial.
Por isso, prefiro o termo honorífico.
O grau 33.º é, assim, a espécie de "comenda" que refere, não por ser mais fácil, não por constituir o topo de nada (expliquei que a visão piramidal ou de escada dos Altos Graus é fundamentalmente errada), mas apenas por ser a declaração pública maçónica que "este maçom foi mais longe de entre os que foram mais longe".
O que vale o que vale, obviamente...

Jocelino Neto disse...

Mestre Rui,

Agradeço imensamente as explicações.

Se me permite, dois momentos são proveitosíssimos por sua síntese:

"Era a ânsia da criação e da fantasia aplicada à maçonaria..."

"Está lá tudo, em todos - como já está tudo já na Maçonaria azul..."

Abraços Fraternos!

Nuno Raimundo disse...

Boas Rui...
Obrigado pela explicação...

Quando referi a "escadaria" , foi no sentido de talvez ser mais prático designar essa tal "distinção" designando-a como um "grau", uma vez que toda a Maçonaria é "graduada". Mas percebi o sentido do 33º grau.
:)

abr...prof...

jpa disse...

Mestre Rui Bandeira;

Agradeço a sua resposta.
Compreendo que após ter subido toda a montanha, possa olhar para tráz e deduzir que poderia ou mesmo deveria ter calcorreado por outros trilhos.
No entanto também entendo que quem está na base e inicia a sua subida, necessite de um mapa da montanha. Pois sujeita-se a perder-se por vales, penhascos ou quiçá até cair em precipicios.

Cumprimentos
JPA

Candido disse...

viva Rui:
Foi com agrado que li esta partilha de como alcançar metas a que nos propomos, gostei.
CaroJPA:
Não é só com roteiros e mapas que lá vamos. É preciso muito trabalho e engenho. É isso que admiro no Rui, no Paulo e tantos outros que nos ajudam com as suas experiencias e sabedoria.
Abraços