29 abril 2008

Variação sobre o silêncio


Já aqui no blogue publiquei um texto onde explanei o meu entendimento sobre o alcance, interesse e virtualidades do silêncio do Aprendiz e um outro texto dedicado ao silêncio do Companheiro.

Não tencionava voltar ao tema tão cedo. Mas o homem põe e a fortuna (acaso, circunstâncias, conjunção astral, divina providência, simples mudança de opinião - cada um escolha e tome o que quiser, em cada situação...) dispõe. O Venerável Mestre da Loja Mestre Affonso Domingues teve a gentileza de me pedir a opinião sobre uma determinada questão relativa à administração dos trabalhos da Loja e a análise e meditação sobre a mesma, em ordem a poder transmitir-lhe uma opinião fundamentada, conduziu-me, quase que por associação livre, a um diferente reflexo do tema silêncio do aprendiz e do Companheira de que me não tinha ainda, ao menos, conscientemente, dado conta.

O silêncio do Aprendiz e do Companheiro significam que, salvo para apresentação das respectivas pranchas de proficiência no grau, os Aprendizes e Companheiros não têm o direito ao uso da palavra em sessão ritual. Mas significa ainda uma outra coisa. Ter a palavra é ter o poder de ENSINAR. E, nesse sentido, só os Mestres ensinam, só os Mestres detêm a palavra. Numa Loja maçónica, toda a formação de Aprendizes, de Companheiros e também dos Mestres está exclusivamente a cargo dos Mestres, só é encargo dos Mestres.

Nesse sentido, a asserção de que os Aprendizes e Companheiros não têm direito à palavra significa também - quiçá essencialmente, bem vistas as coisas - que estes não ensinam. Compreende-se: a fase em que se encontram é a da sua formação. Estão a aprender, não estão a ensinar. Devem concentrar-se no seu próprio crescimento, não em transmitir aquilo que apreenderam para formação dos demais. Tempo virá em que essa tarefa também repousará sobre os seus ombros. Mas quando esse tempo vier, serão já Mestres maçons.

Sob este ponto de vista, assume inteira lógica a verificação de que o silêncio dos Aprendizes e Companheiros é quebrado para a apresentação das respectivas pranchas de proficiência. Porque, ao fazê-lo, não estão a ensinar, estão a prestar provas, a dar testemunho, a mostrar a sua evolução.

Portanto, o silêncio dos Aprendizes e Companheiros significa também, se é que não principalmente, que estes não ensinam, só aprendem. E por isso não tomam a palavra. Porque esta deve servir para ensinar, para transmitir algo de útil aos demais e não para discutir, tergiversar, ou simplesmente exprimir palavras volúveis e sem valia.

Corolário desta asserção é que os Mestres têm a palavra para ensinar, para serem úteis aos seus irmãos. Só devem, portanto, usá-la com esse propósito e utilidade. O direito à palavra dos Mestres não é um privilégio, é uma responsabilidade acrescida.

Isto foi algo que aprendi agora, após dezoito anos de maçonaria, e que logo decidi partilhar convosco. Maçonaria aprende-se todos os dias. E cada conclusão nova, ou diferente, ou mais aprofundada, a que o Mestre maçon chega só deve, afinal, confirmar no seu espírito uma verdade que ele não deve nunca esquecer: pode ser Mestre entre os maçons, mas não deixa nunca de ser um eterno Aprendiz. Porque, se deixar de o ser, deixará de ser Mestre...
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Maçonaria aprende-se todos os dias. A solidariedade deve estar sempre no nosso pensamento, sejamos ou não maçons. De certeza que se sensibilizou com a situação da Inês. Porque espera para ajudar? Veja aqui como. E ajude!

Rui Bandeira

3 comentários:

Paulo M. disse...

@Rui:

Fartei-me de ler e reler este texto assim que foi publicado. Estranhamente, depois de ler os anteriores, voltei a ler este e pareceu-me diferente... Não obstante, remanesceram algumas dúvidas.

"concentrar-se no seu próprio crescimento, não em transmitir aquilo que apreenderam para formação dos demais"
Isto é apenas em sessão ritual, ou não é suposto, de todo, que os aprendizes troquem impressões - e, consequentemente, aprendam - uns com os outros?

"Ter a palavra é ter o poder de ENSINAR. E, nesse sentido, só os Mestres ensinam, só os Mestres detêm a palavra." "Devem concentrar-se no seu próprio crescimento, não em transmitir aquilo que apreenderam para formação dos demais."
E eu que pensava que a Maçonaria não se ensina, antes se aprende... Mas jogos de palavras aparte, imagino que seja apenas natural que os Mestres ensinem Companheiros e Aprendizes, e que o façam dentro e fora de sessão ritual. Agora o que não imaginei foi que houvesse essa clivagem tão marcada, e que o Aprendiz não pudesse almejar retribuir alguma da sabedoria que sobre ele é vertida a não ser depois de ser elevado a Mestre!

Suponho que se, em sessão ritual, os aprendizes pudessem falar (e fazer perguntas...) todo o tempo seria dispendido nisso, e também por isso, "audi, vide, tace". Mas fora de sessão, é também incitada e tida por conveniente toda essa reserva, ou entre Irmãos pode-se, já sem o formalismo da sessão ritual, falar de tudo e perguntar tudo?

Um abraço,
Simple

Rui Bandeira disse...

@ simple:

1.Todos os textos sobre o silêncio do Aprendiz e do Companheiro respeitam unicamente a sessão ritual. Fora dela, obviamente que esse dever de silêncio não existe. Logo, podem e devem trocar impressões e aprender e evoluir e ajudar a evoluir.

2. Este comentário suscita-me dois textos, que espero publicar algures neste mês de Maio:

- Aprender e ensinar
- Simbolismo: da Loja à vida

Paulo M. disse...

@Rui:

Grato pelo esclarecimento.
Fico a aguardar os textos!

Um abraço,
Simple