02 abril 2008

As pequenas iniciativas

Li na edição electrónica do jornal Diário da Serra, de Tangará da Serra, Mato Grosso, Brasil o seguinte apontamento, escrito pela jornalista Lucélia Andrade e publicado ontem:

A Loja Maçônica Estrela de Tangará em parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar-MT), iniciou ontem um curso de processamento de carne de frango. O curso que está sendo realizado gratuitamente, na sede da maçonaria, terá a duração de cinco dias. Ele é voltado para diferentes profissionais que tem como propósito repassar o que aprenderem para demais pessoas. Segundo uma das responsáveis pela organização do curso, Lourdes Garcia Carvalho, a solicitação foi feita pela Maçonaria ao Senar, que aceitou o pedido e está ministrando todos os cuidados necessários para o preparo da ave. Durante o curso, as alunas irão aprender todo o processo de manuseio da ave, incluindo abate, cuidados com a higiene, cortes, desossagem, descongelamento, além de receitas. Hoje no período da manhã e tarde as alunas estarão iniciando o processo prático.

Este é um bom exemplo de integração da maçonaria com a comunidade. Mais: de prestação de serviço à comunidade, de serviço que esta precisa e que lhe é útil.

Este é um bom exemplo de que não é necessário - porventura, em muitos casos, nem sequer será conveniente... - imaginar grandes projectos, fabulosas organizações, paradigmáticas iniciativas, para uma Loja maçónica ser útil ao meio em que se insere. Os grandes projectos, as fabulosas organizações, as paradigmáticas iniciativas porventura captarão benevolentes aplausos e educados encómios. Mas quantas vezes não são apenas montras de vãs vaidades? Quantas vezes não servem mais o enchimento dos egos dos seus autores do que as comunidades a que supostamente se dirigem? E quantos grandiosos projectos, brilhantes organizações, fantásticas iniciativas não passam da imaginação dos seus autores, de conversas sem real significado, precisamente por serem demasiado grandes, demasiado caros, demasiado complexos, para as possibilidades de quem com eles sonha? E potencialmente preparam-se extraordinárias iniciativas, mas realmente faz-se... nada!

Ao contrário do que, por vezes, alguns parecem pensar, a verdadeira História não se faz de gestos heróicos e extraordinários. Faz-se com o labor diário, o esforço aplicado, de muitos desconhecidos, que efectivamente constroem, fabricam, criam. A História dos notáveis é apenas uma montra que distrai os que se limitam a olhar para as aparências da moda do momento e não vão verificar a efectiva qualidade dos artigos. Mas a Humanidade evolui, cresce, desenvolve-se, mediante milhares e milhões de pequenos gestos, milhares e milhões de anónimas contribuições, milhares e milhões de vivências e esforços diariamente assegurados.

A Maçonaria tem significado verdadeiro, não nos
confortáveis salões dos abastados deste mundo, mas no que pode acrescentar - a todos e a cada um, do mais rico ao mais pobre, do mais ilustrado ao analfabeto, do celebrado ao pária. A Maçonaria é um processo de aperfeiçoamento individual, mediante a integração num grupo, destinado a contribuir para o aperfeiçoamento da sociedade. E este ocorre, muitas vezes - talvez quase sempre... -, não por celebrados e alegadamente importantes actos, sob os holofotes das televisões e os elogios dos fazedores de opinião, mas em pequenos actos, singelos gestos, minúsculas contribuições que, pelos seus propósitos, pela repetição, pela adequação às pequenas necessidades (que, por serem pequenas e discretas, não devem deixar de ser satisfeitas) efectivamente existentes na sociedade, acabam por significar e valer muito mais do que os tais grandiosos, mediáticos, mas esporádicos, empreendimentos.

Não há grandes nem pequenas causas. Os esforços, as organizações, os projectos valem pela efectiva utilidade, pelas reais ajudas que proporcionam, não pelos brilhos das lantejoulas ou a perfeição dos fatos de cerimónia usados pelas ditas famosas e ditos famosos que "abrilhantam" com a sua presença langorosas iniciativas "sociais" de grande visibilidade, duvidosas intenções e reduzida utilidade.

Maçonaria é a Loja Estrela de Tangará co-organizar um curso de processamento de carne de frango, que será bem mais útil ao meio em que se insere e às pessoas que o frequentam do que mil brilhantes discursos em opulentas cerimónias. As minhas homenagens aos Irmãos da Respeitável Loja Estrela de Tangará pela iniciativa. Que a repitam. Que organizem outras, não importa quão simples, não interessa se modestas, desde que efectivamente úteis para o meio social em que se inserem. E que o exemplo destes Irmãos frutifique. Muitos poucos fazem muito. Se cada Loja maçónica efectuar uma - apenas uma! - iniciativa, modesta, mas útil para o meio em que se insere, por ano, teremos centenas de milhares de pequenos passos dados pela Humanidade em cada ano. E assim é que se avança. Um passo de cada vez. E assim é que se faz a diferença. Assim se é maçon!

Rui Bandeira

5 comentários:

Paulo M. disse...

Concordo com o Rui quando louva a iniciativa. Parece-me, contudo, que no Brasil a Maçonaria é, apesar de tudo, mais conhecida e aceite do que por cá, o que facilitará a concretização de uma acção desta índole. Não posso deixar de imaginar o que aconteceria se uma Loja portuguesa pretendesse fazer o mesmo:

- dois diários gratuitos trariam, em parangonas, na primeira página: "Maçonaria revela segredos" e, em letra miúda: "Maçonaria ensina como desmanchar um frango e como fazer uma canja maçónica".

- em entrevista ao Correio da Manhã, o pároco de uma recôndita paróquia de Trás-os-Montes alertaria para o grave perigo moral da acção, uma vez que "as galinhas são usadas em cerimónias demoníacas e heréticas como o vodu" e que "toda a gente sabe que a Maçonaria adora o Diabo, que é por vezes representado com pés de galo".

- haveria na rua manifestações feministas condenando a "usual arrogância masculina em insinuar que algum homem possa estar mais bem preparado para desmanchar uma galinha do que uma mulher - quanto mais ensinar como fazê-lo", e fazendo chacota no sentido de que "afinal os aventais servem para depenar galinhas".

- no dia marcado, apareceriam apenas 3 velhotas, desdenhando da técnica ensinada e reivindicando cada uma para si a mais apurada arte de degolar e depenar.

- ao fim de poucos minutos, chegaria a ASAE que fecharia as instalações da Loja sine die a pretexto da falta de condições sanitárias para manuseamento e confecção de alimentos destinados a consumo público, além de aplicar pesada multa por abate ilegal de aves sem acompanhamento veterinário credenciado...

Um abraço,
Simple Aureole

Rui Bandeira disse...

LOL!

Rui Bandeira disse...

O objectivo do texto é exaltar a valia das pequenas iniciativas.
Não tem necessariamente de ser um curso de processamento de carne de frango.
Pode ser outra coisa qualquer -um curso de processamento de carne de pato, ou assim...
A sério: a ideia a reter é a da valia das pequenas coisas, das iniciativas úteis e simples. Todas juntas, acabam por valer a pena e ajudar a evoluir, a crescer, a melhorar

Paulo M. disse...

(Não resisti a brincar com o "transplante" um conceito para solo menos propício... Ando de bom humor, ultimamente!...)

Já o Rui cá referiu que, por cá, a cabidela é outra: a Loja Mestre Affonso Domingues promove, periodicamente, a dádiva de sangue pelos seus membros - uma acção igualmente útil e meritória, e mais discreta, mais consentânea com a nossa forma de ser, e menos dada ao "forró" culinário dos nossos irmãos de além Atlântico...

Importante é encontrar algo simultaneamente útil e adequado, pois tentar vender gelados a pinguins nunca foi grande negócio!

Um abraço,
Simple Aureole

Rui Bandeira disse...

@ simple:

Nenhum problema com a brincadeira. pelo contrário! Ainda bem que anda de bom humor...
Espero que esse bom humor continue no sábado, 12... Ou será que vai ficar sem pinga de sangue?
É que - a propósito de cabidela - dia 12 de Abril vai ser dia de estender o bracinho e dar sangue, durante a manhã...