14 fevereiro 2008

Discutir e conversar


A frase final do comentário de JPM/David que ontem reproduzi produziu-me alguma perplexidade. Relembro-a:

Que tal uma secção do tipo "Discutindo com o profano" (discutindo, não conversando).

A perplexidade adveio-me da dicotomia discutir-conversar e da preferência pela discussão sobre a conversa.

Normalmente (e sem grandes preocupações de precisão linguística) atribui-se ao verbo discutir um de dois significados: manifestar acaloradamente divergências de opinião; ou analisar em conjunto um assunto ou tema.

Por outro lado, o significado usual de conversar remete para uma troca descontraída de opiniões, num registo mais intimista e prazenteiro; mas também se pode utilizar o conversar como uma forma de confronto ("temos de conversar sobre o que fizeste ontem"; "recebi um telefonema sobre a tropelia que fizeste na escola e logo vamos ter uma conversa sobre isso...").

Mas, genericamente, tenho a noção de que preferencialmente se utiliza o verbo discutir para o confronto acalorado e o verbo conversar para o diálogo descontraído. Daí que tivesse estranhado a preferência por discutir relativamente a conversar...

Depois lembrei-me que, quando li o comentário de JPM/David, fiquei com a impressão que o seu autor usava o português do Brasil. É certo que, consultando o perfil de JPM/David, verifiquei que o mesmo está em Portugal. Mas isso não impede que seja oriundo do Brasil ou que esteja mais familiarizado com o português do Brasil...

Admiti portanto a hipótese de o significado preciso de discutir e de conversar ter diferentes conotações em ambos os lados do Atlântico. Não conheço suficientemente as subtilezas do português tal como é utilizado no Brasil, mas porventura ali discutir seja preferencialmente utilizado no dignificado de análise conjunta de um assunto ou um tema e conversar tenha mais ali a conotação agressiva, que só secundariamente é utilizada neste lado do Atlântico.

Ou talvez, pura e simplesmente, JPM/David quisesse enfatizar que pretende analisar com profundidade os assuntos (discutir) em vez de os abordar pela rama (conversar)...

Pela minha parte, em relação a todos os assuntos, gosto de os abordar tão seriamente quanto possível, tão aprofundadamente quanto consiga e sempre de forma pacífica, coloquial e descontraída. Ou seja, gosto de discutir os assuntos conversando, em ambos os casos utilizando as palavras nos seus significados mais benignos...

E porque trago eu aqui esta questão? Para frisar os cuidados que devemos sempre ter, quer nos mais descontraídos diálogos, quer nos mais tensos confrontos, em procurar determinar se o nosso interlocutor utiliza as palavras com o mesmo significado que nós o fazemos, sob pena de se criarem mal-entendidos que, de forma mais ou menos grave, inquinarão a troca de opiniões. Quantas e quantas vezes tenho eu assistido a acesas disputas verbais em que ambos os contendores estão afinal a dizer a mesma coisa, apenas de forma diferente...

Em qualquer troca de opiniões, devemos ter sempre um especial cuidado em determinar se o que o outro disse é efectivamente aquilo que, à primeira vista, nos pareceu que disse, ou se uma melhor e mais lúcida análise não nos fará perceber que afinal o que o outro queria dizer é bem mais cordato e bem mais concordante com a nossa própria opinião do que a aparência nos fazia crer.

Tenho para mim que o esforço persistente de, em qualquer diálogo, procurar realçar os pontos de entendimento e tentar descortinar a real existência e os reais fundamentos das discordâncias permite uma muito mais acurada consciência do que o nosso interlocutor realmente pensa e limita muitos focos de tensão. Muitas e muitas vezes é o deficiente entendimento do que é dito que nos arrasta para estéreis conflitos, em que se deixa de discutir assuntos para se passar a discutir com alguém, em que se deixa de conversar e se passa a disputar uma acalorada conversa com outrem...

No caso concreto, certamente que JPM/David não pretende discutir comigo, mas discutir assuntos ou temas comigo. E seguramente que não é seu objectivo,nem ter uma conversa agressiva comigo, nem simplesmente conversar futilmente. Mas obviamente que não desdenhará ter uma conversa descontraída e agradável, através da qual possamos confrontar opiniões e aprofundar temas, cada um se enriquecendo com os contributos do outro...

A falar nos entendemos. Mas, se não tivermos cuidado, também é a falar que nos desentendemos...

Rui Bandeira

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