19 março 2014

Entre Colunas


O local de reunião de uma Loja maçónica tem por entrada um espaço delimitado por duas colunas. Estas evocam as duas colunas que existiam no átrio do Templo de Salomão, descritas na Bíblia no 1.º Livro dos Reis, capítulo 7, versículos 15-22:

15 E formou duas colunas de cobre; a altura de cada coluna era de dezoito côvados, e um fio de doze côvados cercava cada uma das colunas.
16 Também fez dois capitéis de fundição de cobre para pôr sobre as cabeças das colunas; de cinco côvados era a altura de um capitel, e de cinco côvados a altura do outro capitel.
17 As redes eram de malhas, as ligas de obra de cadeia para os capitéis que estavam sobre a cabeça das colunas, sete para um capitel e sete para o outro capitel.
18 Assim fez as colunas, juntamente com duas fileiras em redor sobre uma rede, para cobrir os capitéis que estavam sobre a cabeça das romãs, assim também fez com o outro capitel.
19 E os capitéis que estavam sobre a cabeça das colunas eram de obra de lírios no pórtico, de quatro côvados.
20 Os capitéis, pois, sobre as duas colunas estavam também defronte, em cima da parte globular que estava junto à rede; e duzentas romãs, em fileiras em redor, estavam também sobre o outro capitel.
21 Depois levantou as colunas no pórtico do templo; e levantando a coluna direita, pôs-lhe o nome de Jaquim; e levantando a coluna esquerda, pôs-lhe o nome de Boaz.
22 E sobre a cabeça das colunas estava a obra de lírios; e assim se acabou a obra das colunas. 


É habitual, em muitas Lojas maçónicas, que os obreiros que apresentam perante a Loja trabalhos por si elaborados o façam colocados entre essas duas colunas. Onde assim se pratica - e assim se faz, por exemplo, na Loja Mestre Affonso Domingues -, quando é chegada a ocasião de um obreiro apresentar o seu trabalho, o Venerável Mestre solicita que se conduza esse obreiro "entre colunas" e o mesmo é conduzido precisamente para esse local. O obreiro que apresenta o seu trabalho fá-lo assim situado num extremo da sala de reuniões, de frente para o Venerável Mestre e tendo os restantes obreiros da Loja situados à sua esquerda e à sua direita, ao longo da sala, entre si e o Venerável Mestre.

Esta colocação daquele que apresenta um trabalho, profere uma palestra, tem a grande vantagem de permitir que o orador seja perfeitamente visto por todos os presentes e a todos veja perfeitamente. Mas só é adequada em salas de reuniões de tamanho não demasiado grande. Num salão de grandes dimensões, esta colocação do orador torna difícil ouvir o mesmo a quem esteja colocado no lado oposto da sala (precisamente o Venerável Mestre e aqueles que se sentam junto a ele no espaço denominado de Oriente) - a não ser que se utilize sistema de captação e amplificação de som.

Esta colocação do obreiro que apresenta um trabalho perante a Loja é utilizada com alguma frequência, mas, ao contrário do que muitos pensam, não tem qualquer significado simbólico. Ou melhor, o significado simbólico de estar "entre Colunas" não tem nada a ver com as colunas delimitadoras da entrada na Loja.

É incorreto pensar que a expressão "entre Colunas" significa precisamente o posicionamento do obreiro entre as duas colunas evocativas das do Templo de Salomão. Estar "entre Colunas" é estar entre os seus Irmãos, estar em Loja coberta (onde estão apenas maçons) e em funcionamento. Com efeito, quando uma Loja maçónica reúne, a generalidade dos seus membros senta-se em lugares colocados em duas colunas longitudinais ao longo dos lados da sala de reuniões, à direita e à esquerda do Venerável Mestre, o qual está sentado na linha imaginária central do espaço de reunião da Loja, no topo oposto à entrada desse espaço de reunião. Algumas exceções têm a ver com a colocação de alguns Oficiais em exercício de funções na Loja.

Para facilidade de orientação (e também com algum significado simbólico), os maçons designam as direções e os espaços do seu local de reunião com recurso aos quatro pontos cardeais. Assim, as colunas que delimitam o espaço de entrada no local de reunião estão colocadas no Ocidente; o Venerável Mestre senta-se no Oriente; os obreiros sentam-se em filas longitudinais entre umas e outro, denominadas respetivamente de Coluna do Norte e Coluna do Sul.

Os trabalhos de um maçom são apresentados em Loja entre Colunas, isto é, no meio dos seus Irmãos, com a Loja em funcionamento e, assim, a coberto (apenas na presença de maçons). É um espaço de acolhimento, de segurança, onde o obreiro pode exprimir livremente as suas opiniões, colocar à consideração dos seus pares o resultado do seu trabalho, sabendo que este será apreciado em função do seu mérito e não de preconceitos, amizades ou inimizades. Sempre que o seu trabalho tiver encómios, elogios, é porque o mereceu, não por hipocrisia ou polidez social; todas as críticas que receber têm como escopo a melhoria, o aperfeiçoamento, não o rebaixamento ou apoucamento do trabalho ou do seu autor. As críticas apontando falhas ou sugerindo correções ou melhorias são feitas estritamente em conformidade com o pensamento honesto de quem as formula e podem e devem ser tomadas em conta pelo autor do trabalho, em ordem a lograr melhorá-lo; as críticas positivas, os elogios que porventura se receba, são a melhor garantia de que o trabalho pode ser apresentado sem receio perante qualquer plateia, qualquer que seja o seu grau de exigência - porque passou o crivo da plateia mais exigente do mundo: a constituída pelos seus Irmãos, em apreciação honesta e sempre com base em critérios de excelência. 

Assim, em bom rigor, os trabalhos devem ser apresentados entre Colunas, isto é, com o orador situando-se no eixo central longitudinal do espaço de reunião, frente ao Venerável Mestre, mas não necessariamente ao fundo da sala, junto ao Ocidente, não necessariamente entre as colunas evocativas das do Templo de Salomão. Tal pode e deve ser feito no local entre as colunas de obreiros do Norte e do Sul mais propício e adequado para mais bem se ser visto e ouvido. Tão simples como isso.

Para um maçom, estar entre Colunas é estar num dos sítios mais confortáveis do mundo: é estar entre os seus Irmãos, num espaço e tempo onde impera a confiança, a amizade, mas também a sinceridade e a justiça na avaliação. 

Rui Bandeira

12 março 2014

O Vigésimo Terceiro Venerável Mestre


Foi eleito para o exercício do ofício de Venerável Mestre em julho de 2012. Foi instalado na Cadeira de Salomão no início do ano maçónico de 2012/2013, para exercer o ofício até à instalação do seu sucessor, prevista para ocorrer no início do ano maçónico subsequente.

Sucedeu ao Venerável Mestre que aqui referi ter sido, na Loja, "talvez o maçom que mais bem preparado foi e estava para assumir o ofício de dirigir a Loja quando tal lho foi solicitado pelo conjunto dos obreiros" e cujo "mandato começou bem, prosseguiu agradável e terminou melhor. Elevou muito a fasquia para os seus sucessores".

Rui S., o Vigésimo Terceiro Venerável Mestre, não tinha, assim, tarefa fácil - e tinha consciência disso. As suas caraterísticas pessoais eram diferentes das do seu antecessor. Onde este era organizado, Rui era espontâneo. A um cultor da organização e da programação, sucedeu um afável e gregário gestor de iniciativas que privilegiava o momento, a integração do inesperado.

Nuno L. organizara a Loja com rigor. Rui S., com a noção de que o trabalho de organização estava feito, no essencial, procurou catalisar a Loja para as organizações. Com a casa arrumada, entendeu ser o momento de a Loja organizar iniciativas abertas ao exterior. Estimulou a realização de eventos sob a égide da pessoa coletiva que confere personalidade jurídica à Loja, a Associação Mestre Affonso Domingues, seja em organização própria, seja em colaboração com terceiros.

Duas vertentes distintas marcaram essas realizações. Por um lado, atividades sociais envolvendo os obreiros da Loja e suas famílias, no reforço dos laços entre todos. Foi o caso, por exemplo, de uma visita programada e guiada a Palmela, de uma segunda - e diferente da primeira - visita guiada a locais de Lisboa com interesse maçónico e de uma visita à Loja João Gonçalves Zarco, que trabalha ao Oriente do Funchal, complementada com um programa social pensado tendo em vista também as famílias que se deslocaram acompanhando os obreiros visitantes. Por outro, o apoio a organizações e eventos de caráter cultural, de que refiro, a título exemplificativo, uma exposição de fotografia de dois obreiros da Loja e uma outra exposição organizada numa aldeia do distrito de Lisboa.

O ano de mandato do Rui S. foi, assim, um ano de sucessivos eventos e organizações. Foi um ano de fazer, de executar, de reforço de laços entre os obreiros da Loja e suas famílias. Foi, sem dúvida, um ano agradável.

Mas todo o verso tem o seu reverso e este período também teve algumas implicações ou consequências negativas. A pujança da Loja manifestava-se externamente, mas descurando-se um pouco o que se tinha por adquirido, a sua organização interna. E ocorreu algo que se revelou mais difícil de ultrapassar: a imagem de pujança que externamente a Loja transmitiu  levou naturalmente a que esta fosse solicitada a colaborar no lançamento de outros projetos, de outras Lojas, cedendo alguns dos seus obreiros. Em pouco tempo, apenas num ano, a Loja cedeu  vários obreiros seus para lançamento de outras Lojas. O próprio Rui S., no final do seu mandato, anunciou que não asseguraria a função de Ex-Venerável Mestre (o principal conselheiro do Venerável Mestre em exercício), porque iria, pelo menos por seis meses, dirigir uma nova Loja. O ano de realizações foi também o ano em que a Loja teve de abdicar de um significativo número de quadros que formara e com que contava para a direção dos seus destinos nos anos mais próximos.  Na esteira da sua tradição de organização de doações de sangue, a Loja deu boa parte do seu sangue para novos e outros projetos... A Loja ficou assim com o número de Mestres ativos consideravelmente reduzido.

Porém, ela tinha no seu seio a solução para o problema que surgira. Nuno L. deixara a Loja com um quadro de Companheiros bem guarnecido, ainda reforçado no decorrer do mandato de Rui S.. Foi apenas uma questão de apressar a ultimação da formação destes elementos e preparar o seu acesso a Mestres Maçons. No final do mandato de Rui S., a Loja estava pronta para reguarnecer o seu quadro de Mestres. O ano seguinte seria dedicado a essa tarefa e à rápida integração e preparação destes para a subsequente assunção dos destinos da Loja.

A sucessão de realizações no período de mandato de Rui S. implicou ainda um outro preço: foram mobilizados fundos da Loja e, no final do ano, feitas as contas, os fundos disponíveis tinham baixado consideravelmente. A Loja não estava em dificuldades financeiras, longe disso, mas tomou consciência de que era também necessário reequilibrar a vontade de fazer coisas, organizar, com as disponibilidades económicas reunidas e disponíveis. 

O ano de liderança do Rui S. foi um ano de agradável fruição do que se reunira, do que se obtivera. Mas foi também um ano que mostrou que era necessária a definição de justos e prudentes equilíbrios: equilíbrio entre a capacidade e "velocidade" de formação de quadros e a possibilidade de dispensar quadros formados para lançamento de outros projetos; equilíbrio entre a vontade de organizar, fazer, com a necessidade de manter organizada e equilibrada a retaguarda de funcionamento burocrático e de financiamento da Loja.

Com o Rui S., a Loja aprendeu algo que era a altura de aprender: a necessidade de equilíbrio, a conveniência de se organizar de forma a que nunca se venham a dar passos maiores do que a perna. Em linguagem de estratégia militar, aprendeu que a vanguarda não pode avançar sem a preocupação de manter garantidas as linhas de abastecimento. No caso da Loja Mestre Affonso Domingues, avançou-se, fez-se, realizou-se. Mas houve a lucidez de entender que as "linhas de abastecimento" (de quadros e de meios financeiros) estavam a ficar fracas e que era necessário reforçá-las. E, portanto, de decidir fazer uma pausa nas realizações externas para proceder aos necessários rearranjos e reforços.

Com o Rui S., a Loja tomou consciência dos seus limites. E não os ultrapassou, antes parou e providenciou as necessárias correções. Porque assim fez, ficou melhor e mais forte. Porque identificou em tempo as suas debilidades e as causas delas e se preparou para as corrigir em tempo útil. Aprendeu assim que os avanços não são sempre em linha reta e sem pausas. Há que saber consolidar para voltar a avançar. Há que reparar brechas nas fileiras antes de prosseguir. Esta lição espero que seja recordada no futuro da Loja. Porque é a diferença entre a pujança da juventude, quando se pensa que o mundo é nosso e tudo se pode fazer, e o equilíbrio da maturidade. A Loja Mestre Affonso Domingues, na sua juventude de vinte e três anos está a aprender a ser madura!

Rui Bandeira

06 março 2014




05 março 2014

Delta (II)


No texto anterior, procurei explicar e ilustrar a forma do símbolo Delta e as várias variantes que podem existir. É agora a altura de me referir ao significado desse símbolo.

O Delta, sendo um triângulo com dimensões respeitando a Proporção de Ouro ou Divina, procura ser um símbolo que espelha a Harmonia e a Beleza. O símbolo triangular (independentemente da forma) desde tempos imemoriais que é associado ao significado de Força em expansão. Muitas vezes iluminado - e com expressa chamada de atenção aos presentes para que os seus olhos se voltem para a Luz... -, o Delta é associado à verdadeira Sapiência, ou Sabedoria, à Verdadeira Luz.

Este singelo símbolo, afinal apenas três segmentos de reta que se juntam de determinada forma, apela assim ao conjunto da trilogia maçónica por excelência: Sabedoria - Força - Beleza. Desenvolvendo, temos que Sabedoria, Força e Beleza são caraterísticas necessariamente presentes na Perfeição. Com efeito, só existe Perfeição se estiverem presentes a Sabedoria, a Força e a Beleza. A falta de qualquer destas caraterísticas impede que se considere o que quer que seja como perfeito. A Perfeição é, todos o sabemos, uma caraterística que, embora desejada, embora apreciada, não é inerente ao ser humano. O ser humano pode aspirar à perfeição, pode tentar aproximar-se dela o mais possível, mas - lá está! - o máximo que consegue é aproximar-se, nunca lá chegar. A Perfeição é caraterística imanente a algo superior ao Homem, que existe noutro plano, enfim, àquilo que os vários povos e seres, cada um à sua maneira e segundo a sua cultura, referem por Divindade. Só a Divindade é Perfeita, por definição.

O Delta, evocando a Sabedoria, Força e Beleza e, por via delas, a Perfeição, simboliza, assim, a Divindade, o Poder ou Força Criadora. A conceção dessa Divindade, das suas caraterísticas, de como é designada, deixa a maçonaria à liberdade, ao juízo e à crença de cada um. Por isso, essa entidade comummente evocada por todos, mas cada um à sua maneira e segundo as suas conceções, é designado pelos maçons de Grande Arquiteto do Universo. Depois, cada um designá-Lo-á pelo que entender, seja Deus, seja Jeovah ou Javeh, seja Allah, seja Vishnu, seja Universo, seja Natureza, seja, enfim, o que cada um e a sua cultura entenderem. Isso é com cada qual.

O Grande Arquiteto do Universo NÃO É uma "divindade maçónica" nem o produto ou designação decorrente de qualquer sincretismo religioso. O Grande Arquiteto do Universo é apenas e tão só a designação encontrada como máximo denominador comum, como ponto de confluência de todas as crenças, culturas e conceções, para referir a entidade criadora, ou superior (ao plano humano e material), em que cada um creia, consoante a sua fé ou conceção. 

Porque as conceções religiosas podem ser as mais diversas, díspares, mas todas são igualmente respeitáveis, porque a crença de cada um é inerente à sua própria identidade e modo de estar na vida e no mundo, não sendo lícito respeitar mais umas do que outras, os maçons buscaram uma designação que, ligada à sua tradição da Arte da Construção, pudesse ser utilizada por todos, cada um mencionando como tal a sua particular conceção e designação da Divindade da sua crença particular.

O Grande Arquiteto do Universo não é "adorado" ou "venerado" em Loja maçónica. A adoração ou veneração da divindade do culto de cada um é matéria que só a cada um diz respeito, pela forma e nos locais que a crença de cada um determine ou aceite. O Grande Arquiteto do Universo é, por sua vez, apenas um símbolo, o símbolo comum do ponto de encontro de todas as crenças e conceções de todos os maçons, permitindo a todos e cada um manterem a sua crença e a sua individualidade independentemente das diferenças que porventura haja em relação às crenças dos demais. Assim, os maçons não "adoram" ou "veneram" o Grande Arquiteto do Universo, limitam-se a trabalhar à sua Glória, isto é, cada um procurando honrar a sua própria divindade segundo a sua individual crença ou conceção.

O Delta não é uma representação do Grande Arquiteto do Universo, pela simples razão de que o Grande Arquiteto do Universo é uma abstração criada pelos maçons para harmonizarem o respeito de todos pelas diferentes crenças e conceções de cada um. Aliás, para algumas conceções religiosas não é, sequer, aceitável, pretender representar-se a sua Divindade...

O Delta é assim um símbolo das caraterísticas comuns imanentes à Perfeição e, por consequência à conceção da divindade de cada um. O Delta não é o símbolo imediato do GADU. É, quando muito, um símbolo mediato: simboliza, evoca, lembra, as caraterísticas da Perfeição e, assim, por essa via e só por essa via, remetendo mediatamente para a divindade de cada um e, logo, para o ponto de encontro de todos, por todos designado, por conveniência comum, de Grande Arquiteto do Universo. 

Porque o Delta é assim um símbolo que lembra algo que remete para algo que significa Algo, simultaneamente diferente e comum a todos, não admira que haja variantes na sua representação. Daí os raios de Luz do Delta Radiante, ou a inserção do iod ou do tetragrama, ou ainda da autêntica apropriação maçónica de um símbolo cristão que é o "olho que tudo vê". Daí também a opção, muitas vezes também presente, da inscrição, no interior do triângulo, da letra "G", de Geometria=Maçonaria=Arquitetura (ver G...de Maçonaria e Maçonaria=Geometria=Arquitetura), como forma de unificar por mais uma abstração as diversas referências individuais.

Mas, para mim, a melhor forma de utilizar o símbolo é a mais simples, portanto a que mais permite incluir a cada um: o triângulo isósceles com o ângulo superior a 108 º e os outros dois a 36 º cada um, sem mais nada dentro e sem mais nada fora. Cada um põe, na sua mente e na sua conceção, o que entender por bem acrescentar e ninguém terá nada a ver com isso. O símbolo mais "despido", mais simples, mais singelo, tem a virtualidade de ser aquilo que deve ser: o mais abrangente possível.

Rui Bandeira

26 fevereiro 2014

Delta (I)

Entre as representações do Sol e da Lua, ao centro da parede (ou perto ou junto dela) do lado oposto à entrada do espaço de reunião de uma Loja maçónica encontra-se um símbolo designado por Delta.

É frequente, mas errada, a referência e a representação do Delta como um triângulo equilátero. A representação correta do símbolo é um triângulo isósceles, em que a base é maior do que os dois outros lados, iguais entre si, de forma a que o ângulo do topo do triângulo tenha 108 º e cada um dos ângulos da base 36 º.

Com estas medidas de ângulos internos, trata-se de um triângulo obtusângulo áureo, isto é, um triângulo isósceles em que a razão (o resultado da divisão) entre a base e um dos lados iguais corresponde ao número de ouro, ou Phi (F), correspondente a 1 + √ 5 /2, ou seja, 1,618033989..., a razão ínsita na famosa sequência de Fibonacci, a tradução numérica da Proporção Divina, encontrada em inúmeros exemplos na Natureza, reproduzida pelo Homem em inúmeros monumentos e obras de arte, e que genericamente integra o que consideramos belo, harmonioso.

O Delta, com a indicada medida nos seus ângulos e, assim, a Proporção Divina nas dimensões dos lados do triângulo, resulta da construção da Estrela Pentagonal ou Pentagrama, forma geométrica já utilizada pelos pitagóricos e também adotada como símbolo pela Maçonaria.


Com efeito, o Pentagrama constrói-se a partir de um pentágono regular:


Se atentarmos no triângulo assinalado, cuja base é a linha A-C e o ângulo superior  (invertido na figura) de 108 º, verificamos ter a exata forma de um Delta. Como  um Delta é o triângulo A-B-E (e o B-C-D, e o C-D-E, e o A-D-E), como mais claramente resulta desta imagem:


O Delta pode ser representado de forma simples ou na forma usualmente designada por Delta Flamejante ou Delta Luminoso, com raios irradiando do triângulo, o qual, por sua vez, pode ou não estar inscrito numa nuvem.


O Delta pode ser representado na sua forma simples, com o interior do triângulo vazio, ou com o interior preenchido pela letra "G" (como na figura que encima este texto), por um "olho que tudo vê" ou mesmo pela representação da letra hebraica iod, seja na sua forma hebraica abaixo indicada, seja na sua transliteração latina (como pode ver-se na imagem que ilustra o texto Sol e Lua.

Pode ainda o interior do delta conter o tetragrama hebraico lido como Jeovah ou Yaveh:


Em suma, o símbolo do Delta é essencialmente um triângulo isósceles com as dimensões resultantes da Proporção Dourada (embora, por vezes, e até com alguma frequência, erradamente representado por um triângulo equilátero). Acessoriamente a esse triângulo podem existir adornos ou representações diversas.

Esta multiplicidade de representações do mesmo símbolo tem a ver com o respetivo significado e as diferentes representações que inscreve nos diversos imaginários humanos. Veremos isso no próximo texto.

Rui Bandeira

19 fevereiro 2014

Aquela Loja


Aquela Loja tinha um problema para resolver. Não era um problema inesperado. Não era um problema que não se tivesse antecipado. Mas tinha de se resolver rapidamente e bem.

Aquela Loja tinha Mestres habituados a manifestar as suas opiniões com seriedade, a ouvir as opiniões dos demais com atenção e, sobretudo, a analisar com serenidade propostas diferentes, ou mesmo divergentes, cada um ciente de que a posição diferente da sua não é um obstáculo a abater ou a vencer, é um complemento a integrar, de forma a que o resultado final seja a melhor solução viável e possível.

Aquela Loja, nessa noite, preferia uma solução que não se revelava viável. Procurou então alternativas viáveis e perfilaram-se duas. Ambas possíveis. Ambas aptas a que se atingissem os objetivos pretendidos. Escolher-se-ia uma ou outra. Mas o problema era que não se tratava de escolher entre o bom e o mau, o certo e o errado, o forte e o fraco. Havia que escolher entre dois bons, procurando descortinar qual deles viria a ser melhor. 

Aquela Loja tinha uma escolha difícil a fazer. Porque entre duas boas hipóteses, não lhe agradava preterir uma. Sobretudo isso.

Aquela Loja fez então o que sempre soube fazer bem: cada um deu a sua opinião, expôs prós e contras, explorou hipóteses. Sem criticar as análises efetuadas ou hipóteses colocadas pelos que anteriormente tinham exposto os seus pontos de vista. Ninguém queria ganhar, ninguém queria impor a sua preferência. Todos e cada um procuravam a melhor solução.

Aquela Loja sabia que, se nada de novo surgisse, acabaria por ter de escolher entre as duas alternativas viáveis. Sem vencedores nem vencidos. sem azedumes. Simplesmente uma alternativa seria escolhida e a outra preterida porque assim teria de ser e o que tem de ser tem muita força.

Aquela Loja, quase na hora de ter que decidir viu de repente alguém apontar uma terceira solução. Uma solução que a desobrigava de escolher entre um bem e outro bem. Uma solução que também era boa. Uma solução que resolvia o problema a contento. Uma solução que estava, afinal, à vista de toda a gente, só era preciso olhar para ela...

Aquela Loja em menos tempo do que demoro a escrever esta frase decidiu o que tinha a fazer. Em menos de um ai o ar ficou mais leve, as posturas descontraídas. Alguém se encarregou de resumir o que resultara do debate e expor as várias soluções possíveis. A tomada de decisão foi uma mera formalidade: o consenso fora atingido. Com o contributo de todos. 

Aquela Loja resolveu em menos de uma hora um problema que era importante, porque todos cooperaram para que surgisse a solução.  Assim, o todo pôde ser melhor e mais eficaz do que a soma das partes. A vontade coletiva não resultou da vitória de uma vontade individual sobre outra. A vontade coletiva surgiu e facilmente se tornou consensual porque ninguém queria "ganhar" e todos procuravam resolver, em conjunto, um problema.

Aquela Loja debateu o problema em sessão aberta com a presença de Aprendizes e Companheiros. Não reservou para a Câmara do Meio o debate apenas entre os Mestres. Porque naquela Loja não se tem receio algum em que os que mais recentemente se lhe juntaram, os Aprendizes e Companheiros, vejam que os Mestres têm opiniões diferentes e que não há nada de especial nisso. Há apenas que conciliar diferenças quando se puderem conciliar, fazer escolhas quando for necessário, encontrar alternativas que superem divergências sempre que possível. E depois todo o grupo sente a satisfação de um trabalho bem feito, de uma missão bem cumprida.

Aquela Loja criou uma cultura. Uma cultura de debate sempre que o debate é preciso. De diálogo em todas as ocasiões. De cooperação na superação de divergências ou diferenças. Sempre abertamente, sempre frente a frente, sempre olhos nos olhos. E, decidido o que se tem de decidir, depois brinca-se, convive-se, come-se e bebe-se. E cada problema que é assim resolvido torna mais fácil a resolução do problema seguinte.

Aquela Loja procura integrar muito bem os novos elementos e portanto não lhes esconde nada. Os novos assistem à forma como os mais antigos e experientes debatem, escolhem, superam diferenças, cooperam, decidem, resolvem os problemas. E quando chega a hora de cada um dos mais novos assumir a responsabilidade de decidir, já sabe como ali se faz. Já viu, ao vivo e a cores, como cooperar é mais profícuo do que procurar "ganhar". Como cada um pode e deve exprimir a sua ideia, o seu sentir, em relação a todas as questões, porque todas as opiniões são importantes e todas contribuem para a formação da decisão do grupo. Como todos claramente ficam a saber em que circunstâncias cada decisão é tomada, que pressupostos a sustentam, que razões a fundamentam.

Aquela Loja funciona assim há mais de vinte anos. Não sabe funcionar de outra maneira. Não quer funcionar de outra maneira. Sente-se muito bem a ser como é.

Aquela Loja é a minha Mestre Affonso Domingues e é por ela ser como é que eu não quero nem perspetivo alguma vez ser obreiro de outra Loja que não ela.

Rui Bandeira

Já não posto nada neste blog há demasiado tempo... Lembrei-me de publicar algo que merece ser recordado, naturalmente desprovido de qualquer conotação politica que lhe possam querer dar. Eu posto unicamente as palavras do Poeta:

É preciso avisar toda a gente
dar notícia informar prevenir
que por cada flor estrangulada
há milhões de sementes a florir

É preciso avisar toda a gente
segredar a palavra e a senha
engrossando a verdade corrente
duma força que nada detenha

É preciso avisar toda a gente
que há fogo no meio da floresta
e que os mortos apontam em frente
o caminho da esperança que resta

É preciso avisar toda a gente
transmitindo este morse de dores
É preciso imperioso e urgente
mais flores mais flores mais flores


João Apolinário (poeta português falecido a 22 de Outubro de 1988)


12 fevereiro 2014

Sol e Lua


Na parede (ou junto ou perto desta) do lado oposto à entrada do espaço de reunião de uma Loja maçónica são visíveis representações do Sol e da Lua, aquele do lado direito de quem entra, esta do lado oposto.

O Sol, estrela sem a qual não seria possível a existência de vida no nosso planeta, desde a mais remota Antiguidade que foi associada pela Humanidade à Vida, à Criação. As religiões primitivas divinizavam o Sol. O mesmo se verificou no Egito, na Suméria e noutras regiões das civilizações da Idade do Bronze e subsequentes, prévias às mais elaboradas crenças greco-romanas e ao Monoteísmo.  

O Sol sempre foi associado ao princípio ativo, ao masculino, ao poder criador.

Por outro lado, a Lua é associada ao princípio passivo, ao feminino, à fecundidade.

A colocação destes símbolos no espaço das reuniões maçónicas não tem nada a ver com crenças pagãs ou religiosidades primitivas, mas insere-se na mesma linha da simbologia do pavimento mosaico: a chamada da atenção para a dualidade, especificamente, no caso, para a polaridade.

O Sol e a Lua simbolizam o dia e a noite, a luz direta e a luz reflexa, a ação e a reflexão, o trabalho ou atividade e o descanso, o dinâmico e o estático, a crueza da forte luz solar e a placidez da suave luz lunar, a ação e a reação. São símbolos que nos recordam que nada é tão simples e direto como possa parecer á primeira vista, que a aparência exterior que brilha como a luz solar encobre a natureza interior que se vislumbra como a pálida luz da Lua. 

Os dois símbolos recordam-nos que há tempo de agir e tempo de refletir. Há tempo de fazer e tempo de descansar. Há tempo de aprender e tempo de ensinar. Há ação e contemplação. Há dia e há noite. Há verso e há reverso. Todas estas dualidades integram a Realidade, afinal constituem a Realidade.

O Sol e a Lua dão-nos a noção do dinamismo da Vida, da Criação, do Real, da interação entre duas polaridades que se atraem e que se repelem, que mutuamente se influenciam. Dois princípios, duas forças, dois elementos, dois fatores, que ambos existem, ambos são reais, mas ambos são incompletos, completando-se apenas mediante a sua mútua influência. Tal como já o Pavimento Mosaico perspetivara, a Criação, a Vida, o Real, não são estáticos, não são simples, não são básicos. São dinâmicos, são complexos, são evolutivos. 

Ao meditar sobre a relação entre estes dois símbolos, o maçom deve adquirir a noção de que se não deve limitar a um único aspeto da realidade, a um único tema de estudos. A espiritualidade é importante, mas não menos importante é a materialidade. Espírito e matéria não se opõem - completam-se. Tal como o Sol e a Lua não se digladiam, repartem entre si o dia e a noite. E um dia completo, um ciclo de vinte e quatro horas, compõe-se de dia e de noite, do reino do Sol e do tempo da Lua. Assim também o Homem completo não dedica apenas a sua atenção aos assuntos do espírito, também se dedica aos negócios da vida real e quotidiana, material. Tão incompleto é aquele que apenas se importa com o material, o dinheiro, o poder social, o ter, ignorando a vida espiritual, o aperfeiçoamento moral, o interior de si mesmo, o ser, como aqueloutro que navega nas regiões etéreas do esoterismo, ignorando, ou fazendo por ignorar, que a Vida é esforço e trabalho e pó e carne e esforço e ação e construção.

O Sol e a Lua simbolizam opostos, mas opostos que mutuamente se influenciam e se completam. Assim deve o maçom gerir a sua vida: estudar mas também aplicar, contemplar sem deixar de trabalhar, imaginar mas também executar, fazer e descansar, ter o que necessita para Ser, mas Ser sempre acima do mero Ter.

Rui Bandeira